quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Contributos para a História de Barrancos XIII – A pesca nas águas interiores *

Mais um contributo (XIII) para a história de Barrancos, de José Peres Valério, que o eB publica, abaixo, com a autorização/cortesia do seu autor:

"Com a narração que se segue tento passar uma pequena descrição do que foi, e é, a pesca nas águas interiores, em Barrancos.

Assim, todos sabemos o que é a pesca, mas nem todos sabemos o significado que teve e tem para a humanidade desde os primórdios dos tempos. Desde que há memória, a pesca sempre fez parte das culturas humanas, fonte de alimento, mas também do  modo de vida. É um recurso que satisfaz, não só as necessidades de alimentação do homem como também as necessidades de lazer e de recreio sendo, neste capítulo, um dos mais notáveis de todos os desportos. Leva-nos para junto da natureza proporcionando horas de grande regozijo. Ela é a captura de animais aquáticos destinados a diversos fins: subsistência, (continua a ser muito importante em todo o mundo); pesca desportiva, como atrás se diz;  negócio; fabrico de rações  para o alimento de animais; produção de substâncias com interesse para a saúde, com apreensão, feita nos mares, como por exemplo: (óleo do fígado de bacalhau, muito utilizado em tempos idos), etc…

Entretanto o homem, com a sua astúcia, inventa os utensílios necessários para rentabilizar e captar cada vez mais quantidade de peixes, aperfeiçoando-se paulatinamente com o decorrer do tempo até aos nossos dias. Hoje com materiais muito sofisticados, existe uma grande concorrência no domínio da competição à linha. Outrora a pesca com linha e anzol foi uma das principais formas de aprisionar os peixes. Esta técnica é utilizada há milhões de anos. Como se depreende, há muitas formas de pescar: desde as embarcações; passando pelo tresmalho (rede retangular); tarrafa (rede circular); até à linha, acima citada. Outras formas existem como: linha-de-mão; com mosca; rede emalhar; ao fundo; etc…

Aqui chegado, importa relatar um pouco a vida piscatória que foi, em tempos idos e  atualmente em Barrancos.

Até as décadas de 60 do Século XX, como a pobreza teimava em se apoderar dos pobres, tornando-os cada vez mais paupérrimos, as grandes dificuldades havidas em adquirir trabalho, sem quaisquer meios para o sustento do agregado, (subsídios do Estado, nem falar),  houve alguns trabalhadores, chefes de família, que, para ganharem o pão de cada dia, se dedicavam, entre outros, a capturar peixes para vender, pelas ruas e na praça, sobretudo, das ribeiras do Murtega e Ardila. O barbo, bogas, escalo (bordalo), pardelha, eram os peixes, mais apetecido pela população. A carpa, predominando, a grande maioria das pessoas abdicavam delas. Os apetrechos que utilizavam eram primitivos como: tresmalho ou tarrafa. Havia tio José e irmão António d’Abrio mais conhecido por António Organisto; tio António Calhaco e filho, André e Tio Zé Sardinheiro, que abraçaram esta atividade, com muita frequência, havendo, no entanto, outros que esporadicamente também a praticavam.  

No que ao lazer diz respeito, muitas pessoas, nomeadamente os artífices, com empregos na vila, mais necessitados de respirar ar campestre, chegado o fim de semana, na Primavera ou Verão, apanhavam: nos burrinhos, quem os tinha ─ sim, porque carros e motorizadas só mais tarde, dando lugar aos jumentos ─; nas canas de pesca, alguns. Porque a maioria eram apanhadas nas margens da Ribeira ou Arroio e aí vão eles caminho do  Ardila e Murtega uns, e Arroio outros. Sem esquecer os farnéis, porque, às vezes, em vez de apanharem peixes apanhavam um “Chibato/Grade”, ou cágados. Iam sempre com a esperança de agarrar uns barbos, bogas ou pardelha, o que viesse. Feita a pescaria, que desta vez foi boa, são horas de fazer e comer as sopas de peixe (ótimas na ribeira!). Dias de convívio salutar. E assim passaram fins de semanas, meses e até anos. Parcerias que ao longo do  tempo mantinham uma amizade saudável.

Mas, curiosamente e de tantos amantes da pesca existentes, nenhum se empenhou em formar um Clube de Pesca, proporcionando aos associados momentos de lazer e pesca lúdica. Criando-o, havia condições  para competir entre eles e outros Clubes da Região, já existentes, como por exemplo: Moura, Reguengos e outros, projetando esta atividade em particular e o nome de Barrancos em geral, por outros lugares do mundo.

Porém, o tempo passa, porque não para, e eis que em 1985 um punhado de admiradores da pesca desportiva, já identificados no Contributo do Desporto, constituídos por: José Peres Valério, coordenador; José Venegas Gala; Diogo Assunção Fialho; João Luís Garcia Godinho e Joaquim Ferreira Ferraz, tiveram a iniciativa de criar o Clube Amadores de Pesca Desportiva de Barrancos, cujo emblema foi criado pelo consócio José Baleizão Rico, formando uma comissão administrativa pró-Clube. Formada esta, depararam-se com um obstáculo para legalizá-lo. Era necessária a existência de alguns valores monetários para se proceder ao respetivo registo dos estatutos. Para este fim o grupo arregaça as mangas e promove uns convívios piscatórios e  exploração do bar.

De salientar que este grupo não foi recebedor de qualquer ajuda monetária, à exceção das quotizações dos sócios. Apenas os transportes que a Câmara de Barrancos disponibilizou, bem como a instalação, reduzida, cedida pela Junta de Freguesia, foram as ajudas recebidas. Instalação esta que nada tinha a ver, com as atuais, mas era o que existia. De salientar, ainda, que a primeira secretária que houve foram duas caixas de cervejas (vazias) com um estrado em cima. Este era onde o mestre da música se colocava  para proceder aos ensaios de banda. Assim, levaram acabo dois anos até que, reunidas as condições necessárias, em 10 de Novembro de 1987, são legalizado os estatutos e criados os primeiros órgãos sociais constituídos por: ASSEMBLEIA GERAL: Presidente, Domingos Branquinho Mondragão; Vice-Presidente, António Manuel Martins Samarro;  Secretário, João Ramos Rodrigues. DIRECÇÃO: Presidente, José Peres Valério; Vice-Presidente, José Venegas Gala; Secretário, Diogo d’Assunção Fialho; Tesoureiro, João Luis Garcia Godinho e Vogal, Joaquim Ferreira Ferraz.  CONSELHO FISCAL: Presidente, Manuel Alves Alcario; Secretário, Francisco Manuel Escoval Raposo e Relator, Félix Porta Caçador. Nesta data já possuía algumas dezenas de sócios.  

Legalizado os Estatutos e a tomada de posse dos órgãos sociais,  a direção dá início a uma nova etapa e começa a contatar outros clubes da região e extra região  convidando-os a participarem nos concursos organizados pelo clube, obtendo uma aderência singular. Provas houve na barragem das mercês que ficaram com a lotação esgotada (156 concorrentes) e recusaram-se mais inscrições. Os prémios atribuídos aos melhores classificados eram: taças, troféus e outros que com a boa vontade dos empresários e outros amigos que se dignavam ofertar. Hoje os prémios são de forma diferente.

Entretanto outros órgãos sociais se seguiram e com esforços abnegados,  nomeadamente das direções, algumas, prejudicando muitas vezes a sua vida familiar em prol do Clube, têm conseguido perpetuar até aos dias de hoje, perfazendo 33 anos. Estas direções, umas mais que outras, criaram inovações fantásticas, desenvolvendo a atividade piscatória, transpondo o nome de Barrancos além fronteiras. Os associados, pescadores, começam a participar não só em eventos nacionais como também estrangeiros (Espanha) tornando-se assim, como é óbvio, pescadores internacionais de pesca à linha.

Concluindo e segundo informação da Federação Portuguesa de Pesca Desportiva, foi desde a década de 40 do século passado que a pesca desportiva de competição começou a ser praticada no país.

Aproveito esta curta narrativa para, na qualidade de um dos fundadores, deixar uma palavra de grande apreço, a todos os membros dos órgãos sociais em geral e direções em particular, que passaram por este Clube.

Bom Natal e Bom Ano a todos. Para os pescadores, em particular, um ano cheio de boas pescarias.
Barrancos, 12/12/20 
*Ass) José Peres Valério" 
Fotos de pesca/pescadores, arquivo pessoal de JPV

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