Publicamos hoje, o XVII, "contributo" de José Peres Valério, desta vez sobre o mercado, as feiras, e seus protagonistas: vendedores:
"Antes
de 1972 o mercado de abastecimento público teve a sua iniciação na Praça do
Município, passando mais tarde para o Largo de S. Sebastião, mais conhecido por
Alto Sano, até à data da inauguração do atual. Toda a venda era feita a céu
aberto.
A
comercialização dos géneros alimentícios era muito diversificada. Além do
mercado, vendia-se carne de matanças de porco em casas (com, ou sem mercearias),
pelas ruas, etc..
Mas,
passo a enumerar por espécies:
1
– Carnes:
Os
talhantes tinham bancas de madeira com proteção, também em madeira, para evitar
as intempéries com que frequentemente deparavam (chuva, sol, ventos). Os
proprietários, que recorde, eram: Tio Manuel Durão e seus filhos, Manuel e
Glória; Tio Manuel Luciano; Tio Domingos Burgos e Chico Florido.
Em
dada altura, Tio Manuel Durão desistiu do mercado e passou a exercer a
atividade no talho, sito na Rua 1º. de Dezembro, hoje nº. 31. Também seu filho
Constantino vendeu no talho localizado na Rua das Forças Armadas, hoje nº. 42.
Outros houve, antes destes, que desconheço devido ao distanciamento temporal.
No
matadouro, sito no Poço Novo, (com o abastecimento de água do mesmo poço), os
magarefes faziam os abates dos animais: ovinos; caprinos; suínos; vacum ─
quando uma vaca partia uma pata. As carnes daqueles animais não estavam ao alcance
da maioria da população, pobre, que vivia de salários baixíssimos, quando
ganhavam. A exceção económica era o celebre mondongo (rebortilho, morcilha de
lustre e patas de borrego ou chibo), que os talhantes desenvolviam com grande
maestria. Era um prato divinal cozido com batatas, assim como os ossos do porco,
consumido até hoje. Mais económico para o alcance das bolsas. Estas pessoas
compravam uma quarta de carne, (125gr.),
de vez em quando, para uma família de três ou quatro pessoas.
Como
a maior parte das casas tinha um quintal, ainda que pequeno, muitas pessoas
criavam galinhas, coelhos, etc. Era a forma de comerem carne com mais
frequência. Daí recorrerem ao peixe. A inspeção das carnes e do peixe era feita
pelo médico veterinário municipal, Dr. Vasconcelos, mais tarde substituído pelo
Dr. Alberto. Na falta destes, era o filho da terra, delegado de saúde, Dr.
António Pelicano Fernandes que desempenhava aquelas funções. As matanças
caseiras, para consumo familiar, eram inspecionadas normalmente pelo delegado. As
pessoas levavam 4 ou 5 amostras de carne de porco (a mais frequente) a casa do
doutor.
2
– Peixe:
A
venda de peixe mais comum, face à acessibilidade da população, era feita em cima
de estrados de madeira sem qualquer guarnição.
O
pescado era a base de alimentação desta gente. Por ser mais barato, recorria-se
a este bem, que em quantidade (para um agregado familiar de 5 ou 6 pessoas) se
tornava muito económico. Os peixeiros recebiam o pescado diretamente da lota
através dos seus fornecedores. Peixe sempre fresco, salvo um ou outro caso. Congelado
não existia. Com a chegada ao mercado, diariamente, por volta das 8/9 horas
apregoavam o peixe que traziam e respetivo preço. Às vezes, faziam concorrência
com despique entre si, baixando os preços para valores que a população
aproveitava, com agrado. Nesses despiques chegavam a vender carapaus
(joaquinzinhos) e sardinhas (pequeninas) a cinco tostões (50 centavos) o quarteirão
e por um cento, que não chegavam a contar, aviando à mão cheia. O carapau do
alto, por norma, era vendido a oito tostões cada, ou 2 por 15 tostões. A
sardinha e o carapau, pequeno/médio e do alto, predominavam. Do peixe gordo,
existiam várias qualidades. Para os mais desfavorecidos, apenas era alcançável o
cação. Era um peixe só consumido pelos pobres. Hoje, como sabemos, apreciado
por todas as classes sociais.
Os
peixeiros daquele tempo eram: o Sr. João do peixe, de Safara, que tinha um
empregado o Sr. Augusto; Tio António Torrado, mais conhecido por Tio António
Porquério; João Pica, conhecido por João Cação e esporadicamente um ou outro
que apareciam.
Terminada
a venda no mercado, ao meio dia, cada um regressava aos seus destinos. Uns
lamentando-se da fraca venda, outros nem tanto.
Entretanto,
pela tarde o Tio Xico Narra que trabalhava também para o João do peixe, mais
tarde de conta própria, apanhava na sua canastra e, pelas ruas, ao som de uma
gaita, vendia peixe que tinha sobrado do mercado.
3
– Fruta e hortaliça:
A
fruta era vendida apenas na correspondente época. Quando as plantas frutíferas
davam e as condições climáticas eram favoráveis. A fruta de regadio, que
imperava no verão era o melão e melancia, vinda da Amareleja em carros de
tração animal que percorriam 25 quilómetros. Também se vendiam figos, uvas e
figos passados. Havia dias em que se juntavam 10 ou 12 carros cheios. Os
proprietários, chegados tarde a Barrancos, pernoitavam na estalagem, do Largo
de S. Sebastião (Mercado), propriedade de Tia Maria Mendes, para no dia
seguinte exporem os produtos à venda. Alguns faziam a sua venda pelas ruas, com
os carros puxados por animais.
A
hortaliça era vendida no mercado pelo Tio António Porquério e pela esposa de
tio Chico Narra. Os familiares deste deslocavam-se com o burro à herdade das
mercês (em Barrancos) para carregar a hortaliça que vendiam na praça. Além do mercado,
também se vendiam frutas e hortaliças diretamente das hortas. Tudo produtos da
época. Existiam vendedores que possuíam um bocado de terra aproveitando-a para
semear algumas variedades de hortaliça que se deslocavam pelas ruas a vendê-las
de porta em porta. Estou a lembrar-me de Tio Francisco Lopes Côco, mais
conhecido por Tio Côco com o seu burro, vendendo: espinafres, alfaces, rabanetes,
couves, repolho, tomates, coentros, salsa, etc., apregoando: la buena ehpinaca,
lechuga, rabaneta, colantro. Eram tempos em que as pessoas, para sobreviver, deitavam
mãos a tudo que desse uns tostões. Alguns pequenos lavradores, possuidores de boas
terras para sementeiras de hortaliça, sem oportunidade de vender nas ruas,
pediam a alguns pais que as suas crianças (poucas) vendessem as hortaliças e
frutas pelas ruas a troco de…? Como a necessidade era grande, lá iam as
crianças desempenhar essas funções.
Entretanto,
havia décadas que a população ansiava por um mercado coberto, à semelhança de
outras povoações, a fim de evitar os temporais que assolavam para comprar os seus
haveres. Até que alguém se lembrou de lançar mãos à obra e construiu-se o tão almejado
lugar.
Com
a inauguração do novo mercado, significativo investimento público para o bem da
comunidade, onde hoje se encontra, tudo mudou. As instalações, com condições higieno-sanitárias,
bancas convenientemente apetrechadas para todas as atividades atrás citadas,
puderam albergar muitíssimas pessoas num espaço amplo, evitando as agruras que
passaram à chuva, vento, frio e calor. Todavia com a evolução do tempo houve
muitas transformações socioeconómicas. Posto isto, nos dias de hoje, os talhos
que existiam no 1.º andar foram fechados e o espaço transformado, para outras
atividades, ficando apenas as bancas do rés-do-chão. Finalmente, é de salientar
que o Largo de S. Sebastião poder-se-ia considerar espaço multiuso. Não só
porque servia para o mercado de abastecimento como também para espaço lúdico, nomeadamente
na fêra, com o aparecimento de diversos divertimentos, tais como: carrocéis;
circo; barracas de quinquilharia; de fotografias com máquinas de caixote; de
tiro; restauração; heringo (Tia Brizida na porta da sua residência e na praça
pequena). Também houve barracas de ouro que se instalavam na praça pequena (Praça
do Município).
Outros
tempos!
Para
os do tempo, recordarem.
Para
os do tempo atual, conhecerem.
Barrancos,
18/04/2021
ass) José Peres Valério"
pormenor do mercado no Altossano
Mercado Público, atual