segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Contributos para a História de Barrancos (XII) - A Adua

Dando continuidade à "parceria" de divulgação, eis aqui mais um contributo para a história de Barrancos, do nosso conterrâneo e amigo José Peres Valério:
"Não tendo argumentos suficientes para poder desenvolver o tema, como seria  meu desejo, vou tentar traçar o melhor que sei, o que era  a Adua.
Antes de detalhar, passo a narrar uma introdução breve do porco e da cabra, animais que andavam na Adua.
O porco, segundo nos diz a história, há várias raças deste animal, predominando nos dia de hoje, na nossa região, a raça Alentejana (porco preto). Apareceu na terra há mais de 40 milhões de anos. Os primeiros homens de aldeias fixas (10.000 anos atrás), tinham como principal fonte de alimento os suínos e não cereais como cevada e trigo. A sua carne é a mais consumida no mundo (responde a 44% do mercado de carnes) sendo considerada bastante saborosa por variadíssimos gastrónomos.
A cabra, também, segundo a história, é considerada uma subespécie da cabra-selvagem. Foram domesticadas por volta do ano 7.000 a.C. (antes de cristo) no Oriente Médio. Pela sua resistência natural e capacidade de adaptação a condições extremas, chamaram a atenção aos povos nómadas da região para a possibilidade de as domesticar, sendo concretizada essa intenção como era seu desejo. É um animal que nos fornece: couro; leite; carne e estrume que é muito aplicado na fertilização de  terras. Existem várias raças.
Chegado aqui, discrimino uma  pequena resenha do que era a Adua:
Em tempos remotos, antes da década de 1960/70, existiu em Barrancos a Adua, localizada onde hoje está construído o bairro, com o mesmo nome, e áreas confinantes (Pavilhão Gimnodesportivo e outras).  Terreno rochoso sem qualquer habitação envolvente. Nas proximidades, o curral de concelho, amuralhado,  sito onde hoje está erigido o Mercado Municipal. Este local também era utilizado para encerrar o gado, apreendido pela GNR  por transgressões em terrenos alheios, aos dos donos.  
A Adua era uma forma de pessoas possuidoras de cabras ou porcos,  que não tinham condições para os poderem guardar no pastoreio, durante o dia, pagarem ao Adueiro (guardador de gado) um valor semanal, quinzenal ou mensal, consoante as possibilidades dos proprietários, pelo serviço de cuidar do gado que possuíam no apascento. O porco era o animal que predominava.
 Com o aclarar do dia, começava a azafama do Adueiro fosse em verões com sol tórrido e temperaturas altíssimas; ou invernos com chuva, vento e  frio. Tinha de aguentar todas as intempéries. Estes pastores não tinham férias, (naquele tempo nem falar!), nem descanso semanal, nem fêra nem Natal. Tinham que estar sempre no seu posto de trabalho, salvo por motivo de força maior, 365 dias por ano, para receberem os animais que tinha a seu cargo.  Os horários praticados eram: no verão, até às 21 horas; no Inverno, até às 17.30 horas aproximadamente, uma vez que os dias eram mais pequenos.  Neste período, os proprietários ficavam descansados nas suas fainas, conhecedores de que ao longo do dia os citados animais pastavam pelos campos baldios do concelho sob olhar cuidado do pastor, (conhecedor dos animais e dos  terrenos). O Adueiro, zeloso, sabia a quem pertencia cada animal e com isto se depreende que tinha vários patrões. Tinha ainda a responsabilidade de verificar se algum tinha doença ou, por exemplo, pata partida, bem como o seu desaparecimento, quando a isso havia lugar. Era um trabalho bastante árduo.  Pela tarde, alguns donos deslocavam-se à Adua buscar os animais. No entanto, a grande maioria não necessitavam que os fossem buscar, uma vez que, eles próprios, se encarregavam de ir para casa, imbuídos pela guloseima (pequena ração) que o esperava. Nas ruas àquelas horas, havia animais por tudo quanto era sitio.
Mas, o regresso a casa nem sempre era tranquilo. Havia dias, em que nem tudo decorria pelo melhor. Em alguns casos, os chibos perdiam-se das mães (cabras paridas), bem como leitões de (porcas paridas), extraviando-se e obrigando os donos a procurá-los em diversas casas de moradores, que tinham, também eles, cabras ou porcos na Adua ficando o extravio encontrado.
Certo dia o tio Xico (nome fictício), Barranquenho de gema, decidiu levar a cabra e a porca que possuía a Adua em virtude do filho não o poder fazer, proferindo a conversa em Barranquenho:
— Bom dia, António. (Adoeiro, pahtô).
— Bom dia Xico. Cômu bai?
 Bênhu a trazê a cabra e a pórca para que pacêm o dia a comê por êçe baldio.
— Fica entregue, Xico. Bai dehcançadu. Que dia maih mau êhtá! Xubendu dehta manera,  quem tem bontade de çai com o gado, ao campo.
— Tem razão, António. Bueno, me bô áu campu purque tênhu que di a labrá i semiá unh rêgo de fabah. A tárdi não bênhu buhcá uh bixuh porque já sabem bi  para casa. Atá  manhã.
Em português: − Bom dia António (Adoeiro, pastor). – Bom dia Xico. Como vai? – Venho a trazer a cabra e a porca para que passem o dia a comer por esse baldio. – Fica entregue, Xico. Vai descansado. Que dia mais mau está! Chovendo desta maneira, quem tem vontade de sair com o gado. – Tem razão, António. Bem, vou-me embora ao campo porque tenho que ir a lavrar e semear uns regos de favas. A tarde não venho buscar os bichos porque já sabem ir para casa. Até amanhã.
(Breve diálogo entre barranquenhos. Para tirar algumas dúvidas, que me suscitaram, socorri-me da ajuda da Filologia Barranquenha do Dr. Leite Vasconcelos. É possível existir alguns erros gramatical. Por algum lapso, as minhas desculpas.)
Nos terrenos do concelho, bastante estéreis, designadamente os do baldio, o animal que mais se amoldava era o gado caprino, ruminante, que usufruía do privilégio das característica que possui, como atrás se diz, adaptando-se mais facilmente ao mato. Consegue, assim, comida para sobreviver, especialmente no Verão. Daí a opção pelo  grande número de cabras existentes, excluindo as ovelhas.
O porco, não ruminante, prevalecendo, como citado, no concelho a raça autóctone alentejana (porco preto), procurava, entre outras, no pastoreio, a sua alimentação através dos dentes caninos, fossadores que davam volta a terra (pareciam autênticos lavrados) para apanharem vermes (minhocas entre outros) para a sua alimentação que, por norma, iam para abate,  atingindo o peso de 60/70 kg. Boleta para estes, nem sonhar, porque nos baldios não existe azinhal.
 Entretanto, em algumas casas, tinham como alimentação base a preciosa carne destes suínos.  Com as matanças que faziam anualmente, ou em qualquer outro período do ano, utilizavam a carne para variadíssimas aplicações tais como: o chouriço; catalão; morcilha; farinheiras; presas salgadas; presunto, etc.. Nas casas mais pobres o toucinho e a papada era o alimento principal que, salgados, aguentavam todo o ano. Outros pobres havia que, por força das necessidades, abdicavam da carne do porco que tinham engordado e vendê-lo para liquidar outras despesas contraídas para o sustento da família.  
Porém, nem toda a carne era igual. A dos porcos que apascentavam nos Baldios contradizia, pela negativa, com a carne de porcos criados e engordados em grandes superfícies de azinhal, pertencentes aos lavradores. Por estes, anualmente eram engordadas várias varas de porcos com boleta. Esta sim, é que era e é a verdadeira alimentação, que produz a provada carne de excelência.
Em Barrancos existiram os Adoeiros: tio José Rubio e filho António Domingues Rúbio, mais conhecidos por tio Zé Doeiro e António Doeiro, que adquiriram este pseudónimo por desempenharem estas funções; o tio Manuel da Silva Segão e por último o João Taranta. Esta atividade perde-se no tempo, sem que haja, que se saiba, conhecimento da sua origem. Todavia com a falta de gente para desempenhar este serviço, em virtude daqueles procurarem outras  vidas, menos  sofrida, em novos mundos, possivelmente, na década supracitada, foi o fim da Adua.
Estes homens passaram tempos muito difíceis. Abraçaram este trabalho para poderem sobreviver com uns parcos tostões que ganhavam a fim de dar de comer à família.
Ass) José Peres Valério"

(fotos cedidas por José Valério, facebook)

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