sábado, 18 de setembro de 2021

Contributos para a História de Barrancos XX – Forma de aquecimento em tempos idos

Mais um contributo (XX) para a história de Barrancos, de José Peres Valérioque o eB publica, abaixo, com a cortesia do seu autor:

"Descobri, arrumando a minha papelada, um jornalzinho com o título PICON DE ENCINA (Picão de Azinheira) que se publicava, (e se publica?) na década de 90 do Séc. transato, na nossa vizinha Encinasola - Espanha. Achei o título curioso, despertando-me a atenção. Pensei: o que este bem deu na nossa terra! Abri a imaginação. Comecei a escrever.

Quando escrevo, sobre a história de Barrancos, faço-o, geralmente, para descrever circunstâncias vividas pelos nossos antepassados, em épocas idas. Julgo necessário não esquecer mais este, relato verídico, sentido na pele por gente que viveu os tempos.

Vida dura e hostil! Tempos amargos! Tempos de miséria! Os trabalhadores, com parcos recursos, “não arredaram pé a sacrifícios”, a fim de acarearem meios que pudessem ajudar e alimentar a família, proporcionando-lhe  bem estar. Daí deitarem mãos a tudo que desse uns tostões. Estas pessoas, sem trabalho, sem subsídios: de desemprego, abonos de família, doença, etc., tinham que inventar maneiras para poderem ganhar algumas migalhas.  

Quem me lê, interroga-se: Porquê este contributo? Simples, diria  eu.  

 Antes do aparecimento das braseiras elétricas e outros aquecimentos elétricos, havia uma actividade que era ganha-pão de muitos durante o Inverno e Primavera.

 Qual? − A poda do azinhal, conhecido pelo povo como os cortes. Em algumas herdades, os ramos de árvores, depois de chapoteados (chapotados), eram transformado em picão. A transformação era feita no campo. Juntavam-se grandes quantidades de ramos de azinheira ou estevas, já citados, ateando fogo ao monte até atingir o rubro. Seguidamente, com uma forquilha ia-se dando volta e molhando, à mão ou regador, simultaneamente, até ficar em carvão (picão). Exigia muito cuidado, não fosse o picão ficar em cinza. E não se podia deitar água a mais, para que ardesse melhor. Depois, deixava-se arrefecer  e  ensacava-se, para ser utilizado e vendido. Posto na braseira, era acendido com brasas do lume, que certas pessoas tinham na lareira; ou com petróleo, pontas de chamiços, etc. requerem muito cuidado devido à libertação de monóxido de carbono. Muitos casos de morte se têm registado no país por falta de prudência.

Esta fonte de aquecimento era usada  na camilha, onde era colocada. Nos dias muito frios de Inverno, as pessoas passavam muito tempo sentadas à braseira, sobretudo ao serão. Nas Sociedades dos “pobres” e dos “ricos”, havia seis ou sete acendidas diariamente para aquecimento dos sócios, assim como nas tabernas.

Também de esteva seca, melhor do que aquele, se fazia. O inconveniente que  tinha, era arrancá-las a braços. − São de enaltecer as variadíssimas aplicações que a sua resina (ládano) possui: das propriedades medicinais (poderoso antissético, antibacteriano e antiviral), até aos perfumes e tinturaria−. As pessoas que tinham padarias ou fornos em casa usavam-na como fonte de calor na cozedura do pão. Quente o forno, era varrido metendo-se  as brasas em recipientes e tapando-os até arrefecerem.

A grande maioria das casas  possuía lareira. Faziam lume, aqueles que podiam, não só para aquecimento como também para cozinhar legumes, carnes ou outros. Fogão a gaz não havia por aqui. Famílias mais indigentes,  sem meios  para comprarem lenha e fazerem lume, para confecionarem os alimentos, pediam umas brasas às vizinhas que as tinham. Estas, com sentimento altruísta não só lhes davam uma ferrada de brasas como também feixes de chamiços ou estevas. Outros pediam o animal emprestado, normalmente o burro, para trazer xaras dos terrenos baldios ou outros locais.  E assim iam vivendo até chegar o tempo quente.

Existia espírito solidário, apesar da pobreza. Mas nem todos os trabalhadores passavam por esta situação: havia os que trabalhavam todo o ano com os lavradores, e no período dos cortes traziam cargas de lenha, no asno, quando vinham a casa, para descansarem no Domingo. Além destes, havia outros trabalhadores sazonais para os cortes, ocupados em herdades menos extensivas, que também traziam o apetecido combustível.  

Porém, a grande maioria dos trabalhadores não possuía terrenos que tivessem azinhal ou outras variedades de plantas, capazes de produzir aquele material.

Questiona-se: − Então, como conseguiam adquirir essa matéria-prima, tão desejada?

− Os proprietários do grande latifúndio, e outros, possuidores de grandes superfícies de azinhal, cortavam as azinheiras secas, ou não, para seu consumo. O tronco deixado, era dado a quem o pedisse: ao  guarda ou feitor da propriedade. Por norma o pedido era aceite.

Os citados muniam-se de marra, cunhas e alvião, espatifando o tronco e arrancando as raízes das entranhas da terra e levar a carga de lenha para casa ou vendê-la. Bastante falta faziam os magros tostões, conseguida através de grande dispêndio e energia que estas pessoas libertavam com este duro trabalho. Outras vezes, com trabalho menos duro, acarretavam estevas secas ou chamiços. Mas nem sempre tinham a sorte de chegar a casa com a lenha.

Certo dia, fins da década de 1950, um individuo depois de farto de trabalhar, para fazer a carga de lenha, já apalavrada para venda, foi interceptado pela patrulha da GNR à entrada da vila:

− De onde traz a lenha?  E o documento de autorização?

− Trago-a de uma propriedade particular, com ordem do guarda do terreno que tinha à sua posse. − Como o guarda da propriedade não sabia escrever, não o passou. Tudo foi tratado verbalmente, como era hábito.

Ato continuo, a guarda mandou entregar a lenha na União de Caridade das Senhoras de Barrancos (Sopa dos Pobres), sita na Rua 1º. de Dezembro nº. 66, hoje extinta, alegando estar em transgressão à norma praticada. E assim, o pobre com a esperança de receber uns tostões para a compra do pão, viu-se de mãos a abanar. Outros tempos… tempos ditatoriais!

Algumas desta gente, também fazia carvão de raízes do breço (nome conhecido em Barrancos), ou seja: urze ou torga. No interior do país, essa planta era usada com variados fins, como vassouras ou escovas artesanais. Entre nós, o carvão de breço foi muito utilizado nas forjas até ao aparecimento do carvão de pedra ou mineral. Na Herdade da Contenda, sítio das cortes, abundavam as urzes.

Curiosidade: o médico, poeta e grande escritor Miguel Torga foi um grande apaixonado pelas urzes. Utilizou este pseudónimo (Torga) em homenagem a esta planta, que existia em grande quantidade na sua terra natal, S. Martinho de Anta, Vila Real. Junto a sepultura, em campa rasa, foi plantada a seu lado uma torga ou urze, em honra ao poeta.

E como já vemos uma luz de esperança no fundo do túnel, com o desvanecer da pandemia, conforme o coordenador da “task-force” ter assumido que Portugal “já ganhou a este vírus”, nunca é de mais desejar que desapareça definitivamente e o mundo regresse à sua normalidade.

Barrancos, 15/09/2021 - Ass) José Peres Valério"

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