Mais um contributo (XX) para a história de Barrancos, de José Peres Valério, que o eB publica, abaixo, com a cortesia do seu autor:
"Descobri,
arrumando a minha papelada, um jornalzinho com o título PICON DE ENCINA
(Picão de Azinheira) que se publicava, (e se publica?) na década de 90 do Séc.
transato, na nossa vizinha Encinasola - Espanha. Achei o título curioso,
despertando-me a atenção. Pensei: o que este bem deu na nossa terra! Abri a
imaginação. Comecei a escrever.
Quando escrevo, sobre a história de Barrancos,
faço-o, geralmente, para descrever circunstâncias vividas pelos nossos
antepassados, em épocas idas. Julgo necessário não esquecer mais este, relato
verídico, sentido na pele por gente que viveu os tempos.
Vida dura e hostil! Tempos amargos! Tempos de
miséria! Os trabalhadores, com parcos recursos, “não arredaram pé a sacrifícios”,
a fim de acarearem meios que pudessem ajudar e alimentar a família, proporcionando-lhe bem estar. Daí deitarem mãos a tudo que desse
uns tostões. Estas pessoas, sem trabalho, sem subsídios: de desemprego, abonos
de família, doença, etc., tinham que inventar maneiras para poderem ganhar
algumas migalhas.
Quem
me lê, interroga-se: Porquê este contributo? Simples, diria eu.
Antes do aparecimento das braseiras elétricas
e outros aquecimentos elétricos, havia uma actividade que era ganha-pão de
muitos durante o Inverno e Primavera.
Qual? − A poda do azinhal, conhecido pelo povo
como os cortes. Em algumas herdades, os
ramos de árvores, depois de chapoteados (chapotados), eram transformado em picão. A transformação era feita
no campo. Juntavam-se grandes quantidades de ramos de azinheira ou estevas, já
citados, ateando fogo ao monte até atingir o rubro. Seguidamente, com uma
forquilha ia-se dando volta e molhando, à mão ou regador, simultaneamente, até
ficar em carvão (picão). Exigia muito cuidado, não fosse o picão ficar em
cinza. E não se podia deitar água a mais, para que ardesse melhor. Depois,
deixava-se arrefecer e ensacava-se, para ser utilizado e vendido.
Posto na braseira, era acendido com brasas do lume, que certas pessoas tinham
na lareira; ou com petróleo, pontas de chamiços, etc. requerem muito cuidado
devido à libertação de monóxido de carbono. Muitos casos de morte se têm
registado no país por falta de prudência.
Esta
fonte de aquecimento era usada na
camilha, onde era colocada. Nos dias muito frios de Inverno, as pessoas
passavam muito tempo sentadas à braseira, sobretudo ao serão. Nas Sociedades
dos “pobres” e dos “ricos”, havia seis ou sete acendidas diariamente para
aquecimento dos sócios, assim como nas tabernas.
Também de esteva seca, melhor do que aquele,
se fazia. O inconveniente que tinha, era
arrancá-las a braços. − São de enaltecer as variadíssimas aplicações que a sua
resina (ládano) possui: das propriedades medicinais (poderoso antissético,
antibacteriano e antiviral), até aos perfumes e tinturaria−. As pessoas que
tinham padarias ou fornos em casa usavam-na como fonte de calor na cozedura do
pão. Quente o forno, era varrido metendo-se as brasas em recipientes e tapando-os até
arrefecerem.
A
grande maioria das casas possuía lareira.
Faziam lume, aqueles que podiam, não só para aquecimento como também para
cozinhar legumes, carnes ou outros. Fogão a gaz não havia por aqui. Famílias
mais indigentes, sem meios para comprarem lenha e fazerem lume, para
confecionarem os alimentos, pediam umas brasas às vizinhas que as tinham. Estas,
com sentimento altruísta não só lhes davam uma ferrada de brasas como também feixes
de chamiços ou estevas. Outros pediam o animal emprestado, normalmente o burro,
para trazer xaras dos terrenos baldios ou outros locais. E assim iam vivendo até chegar o tempo quente.
Existia
espírito solidário, apesar da pobreza. Mas nem todos os trabalhadores passavam
por esta situação: havia os que trabalhavam todo o ano com os lavradores, e no
período dos cortes traziam cargas de lenha, no asno, quando vinham a casa, para
descansarem no Domingo. Além destes, havia outros trabalhadores sazonais para
os cortes, ocupados em herdades menos extensivas, que também traziam o
apetecido combustível.
Porém,
a grande maioria dos trabalhadores não possuía terrenos que tivessem azinhal ou
outras variedades de plantas, capazes de produzir aquele material.
Questiona-se:
− Então, como conseguiam adquirir essa matéria-prima, tão desejada?
− Os
proprietários do grande latifúndio, e outros, possuidores de grandes superfícies
de azinhal, cortavam as azinheiras secas, ou não, para seu consumo. O tronco
deixado, era dado a quem o pedisse: ao guarda
ou feitor da propriedade. Por norma o pedido era aceite.
Os
citados muniam-se de marra, cunhas e alvião, espatifando o tronco e arrancando
as raízes das entranhas da terra e levar a carga de lenha para casa ou
vendê-la. Bastante falta faziam os magros tostões, conseguida através de grande
dispêndio e energia que estas pessoas libertavam com este duro trabalho. Outras
vezes, com trabalho menos duro, acarretavam estevas secas ou chamiços. Mas nem
sempre tinham a sorte de chegar a casa com a lenha.
Certo
dia, fins da década de 1950, um individuo depois de farto de trabalhar, para
fazer a carga de lenha, já apalavrada para venda, foi interceptado pela
patrulha da GNR à entrada da vila:
− De onde traz a lenha? E o documento de autorização?
− Trago-a de uma propriedade particular, com ordem do guarda do terreno que tinha à sua posse. − Como o guarda da propriedade não sabia escrever, não o passou. Tudo foi tratado verbalmente, como era hábito.
Ato
continuo, a guarda mandou entregar a lenha na União de Caridade das Senhoras de
Barrancos (Sopa dos Pobres), sita na Rua 1º. de Dezembro nº. 66, hoje extinta,
alegando estar em transgressão à norma praticada. E assim, o pobre com a
esperança de receber uns tostões para a compra do pão, viu-se de mãos a abanar.
Outros tempos… tempos ditatoriais!
Algumas desta gente, também fazia carvão de raízes
do breço (nome conhecido em Barrancos), ou seja: urze ou torga. No interior do
país, essa planta era usada com variados fins, como vassouras ou escovas
artesanais. Entre nós, o carvão de breço foi muito utilizado nas forjas até ao
aparecimento do carvão de pedra ou mineral. Na Herdade da Contenda, sítio das
cortes, abundavam as urzes.
Curiosidade: o médico,
poeta e grande escritor Miguel Torga foi um grande apaixonado pelas urzes. Utilizou
este pseudónimo (Torga) em homenagem a esta planta, que existia em grande
quantidade na sua terra natal, S. Martinho de Anta, Vila Real. Junto a
sepultura, em campa rasa, foi plantada a seu lado uma torga ou urze, em honra
ao poeta.
E
como já vemos uma luz de esperança no fundo do túnel, com o desvanecer da
pandemia, conforme o coordenador da “task-force” ter assumido que Portugal “já
ganhou a este vírus”, nunca é de mais desejar que desapareça definitivamente e
o mundo regresse à sua normalidade.
Barrancos, 15/09/2021 - Ass) José Peres Valério"
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