sexta-feira, 2 de abril de 2021

Contributo para a História de Barrancos (XVI) - o saneamento básico

Mais um contributo (XVI) para a história de Barrancos, de José Peres Valérioque o eB publica, abaixo, com a autorização/cortesia do seu autor:

"Citando Jaime Salter, escritor: A vida passa e o homem olha para ela reconstruindo-a com a memória.

Tomando esta frase, passo a descrever mais um contributo, que me vem à memória, desta vez sobre salubridade pública.

O saneamento básico está relacionado com a prevenção e controlo de doenças transmissíveis, diretamente confrontado com os elementos básicos (ar, água, alimentos, etc.); qualidade do que é saudável e higiénico; conjunto das condições favoráveis à saúde.

Não é fácil, nos tempos que correm, alguém (chegado exausto a casa, depois de um dia de trabalho) imaginar querer tomar um duche ─ ou defecar ─ e não ter instalações sanitárias para o fazer. Dir-se-ia: nem passa pela cabeça dos mais distraídos. Porém, este martírio aconteceu. Nem sempre houve essa regalia na nossa terra, bem como nas províncias deste país,  à exceção das grandes cidades, que cedo possuíram este bem.

Em Barrancos até à década de 1960 inclusive, pouco ou nada se respeitou aquele princípio, pelo então Estado Novo. Senão vejamos: para melhor entendimento dividi os habitantes em três classes sociais.

1  - os abastados, grandes senhorios com “palácios” e latifúndios;~
2 - os menos abastados (pequenos agricultores) que possuíam o minifúndio, vivendo da exploração das terras, e os comerciantes;
3 - a pobreza grosso da população, que nada tinha e trabalhava para os primeiros e, às vezes, para os segundos.

Os primeiros desfrutavam de condições sanitárias suficientes para possuírem casas de banho com banheira ou chuveiro, com água acarretada pelos criados. Algumas das casas dos segundos, tinham também condições, mas, nem todos tinham casa de banho. E os pobres, nada tinham. Uns pela exiguidade da habitação. Outros por força das condições do terreno eram impedidos de ter os esgotos ligados à diminuta rede de escoamento existente na vila. A higiene, a que qualquer ser humano tem direito, não estava acessível a todos. Algumas casas, poucas, tinham atrás da porta de entrada um cano que era ligado a uma fossa séptica (a maioria nem sabia o que era) que algum vizinho, dono de curral confinante à casa, autorizava a ligação. A população pobre, (face às dificuldades com que deparava, com os parcos soldos que usufruía, quando usufruía) não possuía dinheiro para se poder ligar ao sistema público. Sem esgotos, não tinham outros meios senão utilizarem bacios ou latas para defecar e outras necessidades. Banhos, utilizavam uma paneira (recipiente em zinco) ou alguidar e aí faziam a sua higiene, porque água canalizada, nem sonhar. Mas, pergunta-se: Onde depositavam as pessoas os dejetos? Pergunta pertinente. Resposta difícil.

Na periferia da vila, muito próximo das habitações. Algumas ruas com casas de um lado e lixeira do outro. Existiam estrumeiras a céu aberto que recebiam todos os excrementos (humanos e de outros animais) e lixos de toda a natureza. Expostas a contaminações de toda a espécie sem que houvesse solução para a eliminação deste mal. Como os animais de carga (cavalar, muar e asinino) predominando os últimos, as ruas eram varridas por gente que apanhava o estrume dos animais que defecavam, no trajeto de e para as casas, ficando as ruas limpas sem qualquer custo para o erário público. Para a deposição deste estrume, estas pessoas tinham estrumeiras fora da vila que vendiam na época da fertilização das terras.

Entretanto, nas casas exíguas e nalgumas dos menos abastados, também existiam cabanas para os animais citados. Utilizavam a porta principal em virtude de não possuírem saídas para outras ruas que dessem acesso aos quintais, logo, às cabanas. Pela única porta, entravam e saiam. Além de os animais, as brasinas (género de alcofa em malha de cordel) com palha; lenha; fenos para alimentação dos animais; estrume; etc. tudo passava pelo corredor da casa.

Casas havia, dos mais desfavorecidos, que tinham galinhas para alimentação da família, que andavam todo o dia na rua. Bicando aqui e ali até à tardinha que se recolhiam no quintal ou cabana.

Felizmente hoje temos todas as condições de salubridade pública necessárias, ainda que, como consta nos censos de 2001, houvesse 20 alojamentos sem retrete e 98 sem banho ou duche. Pelo feito, congratulamo-nos com este bem e com a água canalizada, que o 25 de Abril de 1974 nos trouxe. Sim, porque foi após o advento desta data que as Câmaras começam a receber transferências da Administração Central para obras destinadas à salubridade pública.

Sem saudosismo, considero ser de alguma importância citar: olhar o presente, pensando no futuro sem esquecer o passado.

Barrancos, 28/02/2021 – ass) José Peres Valério"

Remodelação das condutas de água de Barrancos
Foto: Arquivo, eB)

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