segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Pode a Junta de Freguesia de Barrancos ser governada com “apenas” a sua presidente?

A Junta de Freguesia de Barrancos (JFB), enquanto órgão executivo da Freguesia, é composta pelo presidente e por dois vogais (um deles tesoureiro e o outro secretário). 

De acordo com o disposto no nº 2 do artigo 24º da Lei nº 169/99, de 18/9, os vogais da JF de Barrancos são eleitos pela assembleia de freguesia (AF) de entre os seus membros, mediante proposta da presidente da junta, Idália Pica, nos termos do artigo 9º do mesmo diploma legal. 

Daqui resulta, inequivocamente, que é a presidente da JFB, Idália Pica, e só ela, que, de entre os membros da assembleia de freguesia, cabe propor os vogais para eleição, devendo fazê-lo, por força do disposto no nº 1 do artigo 9º da referida lei, por escrutínio secreto na primeira reunião de funcionamento da assembleia de freguesia que se efetua imediatamente a seguir ao acto da sua instalação. 

Embora a lei, no referido nºs 3 e 4 do artigo 9º, estabeleça critérios de desempate, não estabelece uma solução legal que permita fundamentadamente resolver a impossibilidade de eleger os vogais por não aceitação da proposta aquando da votação. Não se prevê, com efeito, que após a realização de várias eleições para vogais, sem que estes tenham sido eleitos, se verifique um outro procedimento ou uma outra forma de os propor, designadamente através de listas alternativas, escolha direta da presidente ou votação de braço no ar (por ex). 

Na falta de eleição dos vogais, por recusa da AF, subsiste aqui o problema da governabilidade da Junta, enquanto órgão executivo, para o qual não há uma solução consensual jurídica. Só política! (1)

Se para uma “corrente” de jurisconsultos pode nestes casos ser aplicado “o princípio da continuidade do mandato”, mantendo em funções até à eleição pela AF, os vogais da junta cessante; para outros, esse princípio está aqui afastado, uma vez que “aquele mandato” (o cessante), ficou extinto com a instalação do novo órgão AF e com um/a novo/a presidente de junta, que é o “cidadão melhor posicionado na lista vencedora das eleições para a assembleia de freguesia”. 

Para esta segunda “corrente”, a continuidade do mandato só seria aplicável se se estivesse perante a dificuldade de eleição de vogais na sequência da uma substituição, durante o mandato de quatro anos. Nesta situação, e só nesta situação, perante o impasse de não eleição de novos vogais, é que seria aplicado o princípio da continuidade do mandato, mantendo-se em funções o/ou os vogais em exercício, até à eleição pela AF dos novos vogais propostos pelo presidente da JF. 

Com se percebe, não é esta a situação da JF de Barrancos. No caso concreto de Barrancos, até à eleição dos dois vogais pela AF, temos o órgão executivo da freguesia, Junta, constituído apenas pela sua presidente, Idália Pica, com as competências limitadas à gestão corrente da freguesia, que lhe permitam apenas a prática de atos correntes e inadiáveis, numa interpretação extensiva do regime de gestão limitada dos órgãos das autarquias locais e seus titulares. (cf. Lei nº 47/2005, de 29/8).

Nesta situação de impasse, que para Barrancos é inédito, apesar da composição da AF ser igual a 2017 - ver (2) (3) (4) (5) -, tem de haver solução política na próxima assembleia de freguesia, marcada para o dia 21 de outubro, sob pena de ficar bloqueada a governabilidade da Junta de Freguesia de Barrancos. 

Por último, refira-se que a realização de eleições intercalares só é admissível nos casos expressamente previstos na lei, nomeadamente quando, após a renúncia do presidente da junta, se verifica a impossibilidade de preencher a sua vaga na lista ou coligação a que o mesmo pertence, de acordo com os artigos 29º, nº 2 e 79º da Lei nº 169/99, de 18/8. Não parece, pois, que a nova Presidente da JFB tenha intenções de renunciar.

Observações
(1) O cabeça de lista do PS, e anterior presidente da JFB, Domingos Pelicano Mondragão, renunciou ao mandato antes da instalação da AF, tendo sido substituído pelo elemento seguinte da lista, não eleito (Filipe José Barrocal Marcelo).

(2) neste mandato 2021/2025, tal como no mandato anterior (2017/2021), a composição da AF é de quatro membros para o PS; quatro para a CDU e um para a coligação PSD/CDS; No entanto, em 2017, a lista de vogais apresentada pelo presidente, Domingos Mondragão (PS), não mereceu contestação da oposição, tendo formado a junta de acordo com a sua vontade; em 2021, só mudou a cor política do presidente da Junta, que passou a ser CDU, e os "interesses" dos partidos agora na oposição (PS e PSD/CDS)

(3) na 1ª reunião de funcionamento da AF, de 2017, a lista apresentada pelo presidente da JF, Domingos Mondragão, foi aprovada à primeira votação, com o seguinte resultado: seis votos a favor; dois votos contra. Nessa reunião faltou um membro.

(4) em 1977, nos primeiros órgãos autárquicos eleitos (mandato 1977/1979), a JFB, à data presidida por Manuel Baleizão Chamorro (FEPU, atual CDU), teve uma composição "colorida", integrando dois elementos da FEPU (partido maioritário) e um elemento do PS (partido minoritário). O mesmo sucedeu na AF, presidida por André Santos Carvalho (FEPU) e na AMB, presidida por Tomás Marques Novalio (FEPU). 
Nesse mesmo mandato, a CMB teria a seguinte composição:
Presidente - Carlos Caçador Durão (FEPU)
Vereador - António Semedo Guerra (PEPU);
Vereador - Sebastião dos Santos Ramos (FEPU);
Vereador - António Gomes Mira (PS);
Vereador - António Charrama Lopes (PS).

(5) mais recente, no mandato 1994/1997, também com composição maioritária da CDU, a JFB presidida por Manuel Alves Alcario (CDU), teve um vogal do PS (Domingos Maria Ruivo Pica) e outro da CDU (Fernando Santos Carvalho);

(imagem daqui)

10 comentários:

Anónimo disse...

Uma publicação clara e concisa de todos os procedimento legais, que devem ser seguidos para a constituição do "executivo" da Junta, só é deveras estranho que alguns dos elementos integrantes, já com alguns anos de experiência nos cargos que desempenham, façam transparecer de forma alarmante que desconhecem a Lei que os rege.
Como antes disse se a publicação é extremamente clara, mais clara ainda é a foto que ilustra a mesma!
Cumprimentos
Amaro Garcia

Anónimo disse...

Choca que algumas pessoas não tenham percebido, o que está tão claro no Estado de Barrancos.
Estamos no caso da Junta de Freguesia, na mesma situação que nas anteriores eleições autárquicas de 2017, com uma grande diferença é que nessa altura a CDU foi responsável, pensando no bem de todos os Barranquenhos, e deixou o PS eleger os 2 vogais, e assim governar.
Tirem as vossas conclusões.

Jacinto Saramago disse...

A noticia do eB, é apenas isso, uma noticia, ainda que tenha como objetivo explicar e tentar esclarecer os leitores sobre o que esteve em causa na decisão da AF do passado dia 16/10. Não é, nem tem a pretensão de ser um "parecer jurídico", porque não é essa a formação do autor do blogue.
cpts

Anónimo disse...

Pelo que li, a situação não tem nada de inédito pois pelo que parece, no passado já aconteceu haver vogais de cores partidárias diferentes! Na minha opinião o que entendo é que foi vendido que iria haver trabalho conjunto mas parece que esse trabalho conjunto no final não agrada!

Jacinto Saramago disse...

A/o anónimo/a das 19h15
Inédita é a decisão de reprovar, por duas vezes, a lista de vogais proposta pela Presidente da JFB. A noticia recorda situações em que, a JF teve composição multicolor, mas por vontade do partido maioritário. Em ambos os casos, da CDU, que "ofereceu" um lugar de vogal à oposição.

No passado mandato, 2017/2021, a lista proposta pelo Presidente da JF foi aprovada.

cpts

Anónimo disse...

Caro Jacinto dizer que a eleição dos vogais no passado mandato não mereceu contestação não é bem assim. Porque a CDU votou contra. Os vogais foram eleitos pelos votos do PS mais o do PSD-CDS. Nem uns somos tão bons nem os outros tão maus. Cumprimentos.

Anónimo disse...

Jacinto eu percebi muito bem e até proponho uma solução! Vogais a custo zero "sem pagamentos por baixo da mesa" e verás como sobram os lugares todos!
Eu sou a favor das 3 forças em todos CM, JF, AM, só desta maneira ninguém sacode a água do capote á situação a que Barrancos chegou e acredito que fosse feito um bom trabalho!
É só uma opinião

Anónimo disse...

É mentira que diz o/a comentarista das 20:45. A votação há 4 anos foi seis votos a FAVOR de 8 elementos.
Pelo menos 1 da CDU votou a favor.
Cpts

Jacinto Saramago disse...

nota do autor
Para melhor enquadramento da noticia, procedi a um aditamento no ponto 3 das observaçóes, com o seguinte teor:

"Na 1ª reunião de funcionamento da AF, de 2017, a lista apresentada pelo presidente da JF, Domingos Mondragão, foi aprovada à primeira votação, com o seguinte resultado: seis votos a favor, em oito presenças. Nessa reunião faltou um membro." O PS, recorde-se, tinha apenas 4 membros.

cpts

Anónimo disse...

No ponto 3 - sendo que a mesa era composta por 4 elementos do PS, 3 da CDU e 1 do PSD/CDS, o resultado da votação foi 6 votos a favor, podemos deduzir que 1 ou 2 elementos da CDU votaram a favor, ou o PS sabe qual foi a intenção de voto do PSD/CDS???