Mais um contributo (X) para a história de Barrancos, de José Peres Valério, que o eB volta a publicar, com a autorização/cortesia do seu autor:
Com
esta publicação tento transmitir um resumo muito conciso sobre o Ferrador em
Barrancos. Estando situado numa área geográfica de 168,42 Km2 a Este da
província do Baixo Alentejo, confinado a norte e leste com os municípios
espanhóis de Oliva de la Frontera e Valencia del Monbuey (província de Badajoz)
e de Encinasola (província de Huelva), Barrancos está inserido no mundo rural.
Perde-se
nos primórdios do tempo a sua sobrevivência com base na economia agro pastoril.
Para produzirem os meios de subsistência, o povo, a grande maioria, teve de se
dedicar a exploração da terra.
Começa
a engendrar meios capazes de produzir preparando o terreno para deitar a semente de várias
espécies nomeadamente o trigo, aveia,
cevada, centeio, milho e outras.
Para
tal, necessitou de arranjar meios para explorá-la recorrendo aos animais de
carga e de puxe tais como: cavalar, muar, asinino e vacum que com as alfaias
agrícolas inerentes a agricultura como:
o arado, a charrua, grades e outros conseguiu criar condições para a sua continuidade. Decorridos o tempo da ceifa era necessário
acarretar as sementes para as eiras a
fim de serem debulhadas por estes animais, bem como as azeitonas para os lagares que, com
os animais de carga ou com carros de um e dois varais, puxados com dois animais
e um respetivamente, a transportavam
para os destinos citados.
Mas
com os esforços dos animais nas diversas atividades faziam com que os cascos se
deteriorarem nos terrenos áridos e outros que pisavam provocando-lhes dores não
podendo trabalhar por muito tempo, o homem com a sua astúcia apercebe-se que
tinha de criar qualquer objeto capaz de colmatar o desgaste do casco do animal.
É
no Séc. X que viu a necessidade de
proteger os animais e cria a ferradura em formato de sandália feita de grama
trançada. Mais tarde passou a utilizar a ferradura de couro com mais poder de
fixação ao casco. Posteriormente os gregos criam a hipo-sandália feita de chapa
de ferro presas com tiras ao casco.
Entretanto
o homem foi evoluindo e aperfeiçoou a ferradura tornando-a mais duradoura e
menos sofrimento para o animal. Hoje, as ferraduras são feitas em ferro e
outros materiais, com vários formatos para o cavalar, muar e asinino, consoante
a atividade de cada animal, ajudando a preservar os cascos. É com esta invenção
que nasce o Ferrador atual que, como dizia o Dr. Leite de Vasconcelos na sua
publicação Etnografia Portuguesa 1933, eram alveitares (ferrador sem diploma que faz
curativos, sangrias, partos etc…, tratam animais doentes).
Em
Barrancos nas décadas de 1930/40 em diante, outros haviam antes destes,
existiam oito ferradores com oficinas próprias: Mestre Cristóvão Ilhéu, com
oficina na Praça da Liberdade, hoje com o nº 2; Tio Zé Elvira, mais tarde o filho, também Zé,
com a oficina na Rua 1º de Dezembro, nº 23; André Nina, pai, com oficina na Rua
da Igreja, hoje com o nº 34, mais tarde o filho, mais conhecido por André
Papagaio, com a oficina na Rua da Igreja, hoje com o nº 14; Domingos Gomes
Mendes, com oficina na Rua Cónego Almeida, hoje com o nº. 17; José Lopes Bergano, mais conhecido por Zé
Velhinho, com a oficina na Rua D. Maria das Dores Fialho Garcia, hoje “Bar Paçeu”; todos naturais de Barrancos, e o
Mestre Diogo Ferreira Branco, natural da Amareleja, com oficina na Travessa do
Arco, hoje com o nº. 5.
Homens
que foram autênticos “veterinários” naquele tempo, julga-se, pela inexistência
destes. Eles desempenhavam todo o tipo de trabalho como atrás se diz (alveitares).
Homens que eram genuínos em “ortopedia” moldando a ferradura ao casco por forma
ao animal não se tocar na pata oposta
evitando ferir-se, dando formato
adequado para o desempenho do animal. Alguns fizeram operações com algum risco, com
instrumentos primitivos que possuíam fazendo o melhor que sabiam e podiam.
Eram
tempos de muita atividade. Havia muito trabalho não só nas oficinas como também
no campo, em virtude da grande quantidade de animais, nomeadamente o asinino
que, menos robusto que os já citados, tornou-se o animal mais acessível as
posses dos mais desfavorecidos, sendo utilizado pelo homem como animais de carga
desde a pré-história, aproximadamente 5.000 a.C., muar e cavalar nas
classes menos e mais abastadas. Muitas
vezes tinham que se deslocar ao campo a tratar de animais doentes, cujo transportes eram
os animais citados, mais tarde,
em motorizadas e carro.
As
ferraduras eram compradas, algumas, em Santo Amador, outras em outros locais, sendo moldadas
(atarracadas) nas bigornas das oficinas pelos requisitantes.
Todavia
e sem pretender valorizar o trabalho exercido por um elemento, menosprezando os demais, o Zé Velhinho, o mais
jovem dos proprietários, foi o Mestre, julgo, mais criativo, não só em ferrador como também
em “veterinária”. Vendo que era capaz de fazer as ferraduras, cria uma forja na
oficina começando a ser ele a produzi-las com a ajuda de ferradores
jovens, já com conhecimento do oficio, tornando-se ferrador e forjador. Como acima se diz fez algumas operações de
grande risco. Tinha sempre dois e três aprendizes do oficio. Jovens, alguns,
que não tendo idade e forças capazes de ajudar os pais em trabalhos mais
pesados para ganhar alguma jorna para ajuda da família, os pais punham-nos a
aprender um oficio até atingirem a capacidade de outros trabalhos remunerados
uma vez que nesta profissão aprendiam, trabalhando, sem qualquer jorna, norma praticada por
todos. Em Barrancos houve um período que existiam muitos ferradores, não
estabelecidos, alguns trabalhavam por conta
dos Mestres citados, outros sem exercerem a profissão procuravam outros
meios para sobreviverem.
Entretanto
com a revolução tecnológica na agricultura os trabalhos que eram executados com
os animais, paulatinamente, deixaram de o ser reduzindo drasticamente o efetivo
de animais de carga e puxe causando o fecho de algumas oficinas, inicialmente,
mais tarde a totalidade.
Há
década e meia, aproximadamente, que, com o fecho da oficina pelo Zé Elvira
filho, Barrancos não possuía um ferrador a exceção de um jovem natural, José
Carlos Costa Garcia, que agora começou a dar os primeiros passos nos períodos
de tempo disponíveis.
Barrancos, 15 de setembro de 2020 - Ass) José Peres Valério
2 comentários:
Zé muito obrigado pelas Histórias que nos conta da nossa Terra. Esta tem a ver com os Mestres ferradores e outras, estou certo, vais continuar a contar-nos (Deus queira que sim) e tu serás sempre o nosso Mestre das nossas Histórias. Um grande abraço e já fico a espera da Próxima.
Mais um excelente apontamento, do amigo Zé, sobre história em geral, e particularmente sobre a história de Barrancos. Que àqueles que ainda tivemos a sorte de viver a ultima fase desses relatos, faz-nos voltar a infância, com saudade e nostalgia.
Parece que ainda ouço o "repicar" do martelo do Mestre Zé Elvira, que se ouvia perfeitamente no Largo de Montes Claros, onde vivi até aos 27 anos de idade.
Amaro Garcia
Enviar um comentário