quinta-feira, 5 de março de 2020

Contributos para a História de Barrancos (VII) – o Ciclo do pão.

"O ciclo do pão, é verdade! O que sofri para aqui chegar!!
Desde tempos que se perdem na memória dos humanos que entro pelas portas adentro, dos que têm e não têm para comer.
E porque todo este empenhamento? Por motivos que se prende com a humanidade. Mas para chegar até aqui, passei por muitas vicissitudes para conseguir matar a fome a tanta gente! Senão vejamos: desde os primórdios dos tempos, fui um grande empregador dos trabalhadores, nomeadamente camponeses que, com o meu contributo, ganhavam uns tostões ou migalhas para adquirirem bens alimentares para pôr na mesa aos seus filhos, enquanto outros  enriqueciam; fui espalhado na terra, enterrado com arados e charruas puxados por animais, nomeadamente muar e bovino, pelas mãos de trabalhadores camponeses, nas terras dos grandes latifundiários, ou não, possuidores de grande extensão de terrenos; germinei, dando um embelezamento ímpar aos campos da plena planície alentejana, em especial, e outros locais, com as minhas cores verdejantes e doiradas; chegado a uma altura do meu crescimento, para evitar ser morto por ervas daninhas, mandaram grandes ranchos de homens e mulheres a mondarem-me (tirarem essas ervas); cresci, até que dei por mim dentro de uma espiga na extremidade dum caule, gerando centenas, milhares de filhos que seguiram os meus passos; fiquei, com o clima que se espalha por todo o Alentejo, celeiro da nação de então, como atrás se diz, da cor do ouro, sim, porque não era mais do que ouro em certas mesas pobrezinhas; como havia necessidade de me colherem, mais uma vez os referidos ranchos deitam mãos a obra e cortam-me (ceifando-me), levando-me para a eira onde seria pisado pelos animais, porque naquele tempo não existiam máquinas debulhadoras nem outros meios tecnológicos que hoje existem, também passando por elas mais tarde, para me desligar do seio da minha espiga; depois de ser limpo e separado do joio sou ensacado e levado para os moinhos, sitos na ribeira de Murtega, como por exemplo: tio Cuba, Pipa do tio André Fernandes, posteriormente o mestre Zé Traque, Vinha e outros, que naqueles tempos eram a forma de transformarem-me  em farinha depois de ser triturado com mós de granito. Mais tarde passaram a existir moagens, como a dos Ortega Peres & Cª. e Ângel Delgado, mais conhecido por Ângel Isidoro.
Chegado aqui, outros caminhos percorri entrando nas casas que possuíam fornos de lenha ou em padarias, também a lenha, onde era amassado e cozido a grandes temperaturas, para que, depois de todo este percurso, regressar novamente onde comecei.
Terminada a descrição do ciclo, passamos a um pouco da sua história:
Diz a história que a origem do pão fermentado, semelhante ao que comemos hoje, já era comido pelos egípcios por volta de 4000 anos antes de Cristo (4000 AC). A importância do pão naquele tempo era tamanha, que pagava salários aos camponeses. Ganhavam por dia de trabalho, 3 pães e 2 cântaros de cerveja. O pão geralmente era de trigo, que predominava, centeio, milho e outros, cuja confeção levava água, sal e fermento. Outro tipo de pão o ázimo, com ou sem fermento; também havia e há o pão integral, e sem sal.
Como é do conhecimento geral, a farinha tem uma diversidade de produtos incalculável no domínio da pastelaria com o acrescento de diversos ingredientes.
Em tempos idos, como também os de hoje, o trigo era lavado, escorrido e triturado em moinhos, mais tarde passado por cilindros, que separam o pão da casca originando os farelos. Estes farelos, naquele tempo, eram para dar de comer aos animais (porcos, galinhas, gado assinino, muar, cavalar, etc.). Hoje, a grande maioria, é aproveitado para outros fins, administrado aos seres humanos.
Mais cedo, por volta 500 anos a.C. seria criada em Roma, Itália, a primeira escola para padeiro, tendo-se tornado o principal alimento daquela civilização.
Todavia, como havia necessidade nos meios mais pobres de evitar que o pão fosse comido do fabrico do próprio dia, tornando-o mais rentável, as pessoas, por norma, compravam o pão para a semana, as que não tinham fornos em suas casas ou não tinham onde os cozer. No entanto, muitas houve que se socorriam daquelas que o tinham que, com espírito altruísta, deixavam cozer o pão nos seus fornos. Essas pessoas peneiravam a farinha, aproveitando os farelos como atrás se diz, amassando-a e deixando-a em repouso toda a noite até o dia seguinte, depois de aquecerem o forno com lenha, geralmente estevas ou chamiços (ramos de azinheiras), e varrê-lo, procediam a entrada do pão em massa para ser cozido a altas temperaturas. Esta operação durou até ao final do Séc. XX. Se bem que esporadicamente, nos dias de hoje ainda se pratica esta atividade. As primeiras padarias surgiram em Jerusalém, após o contacto com os egípcios que os hebreus aprenderam melhores técnicas de fabricação.
Em Barrancos, as primeiras padarias a vender pão diariamente foram a do Tio Chico Mendes, a da Srª. Cristina, a do Agostinho Rainho, a do Tio Sequeira e, possivelmente outras que não sei ou não recordo. Mais tarde, até os nossos dias, termos as padarias do Domingos Maria, do Nelson Rainho Leal e da Áurea & António. Todas já mais industrializadas.
Curiosamente a industrialização do pão deu-se no Séc. XIX, com a aquisição de amassadeira hidráulica ou manual.
Barrancos, 4 de março de 2020 
ass) José Peres Valério"

"Um dia na Padaria" - evento promovido pelo Museu Municipal de Barrancos
(Fotos: Arquivo, eB, 26-06-2014)

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