O que era a Casa da Malta?
A casa da malta era um
espaço existente, por norma, nos montes dos grandes senhorios para albergar os trabalhadores
que executavam trabalhos semanais ao serviço destes, proprietários de terras,
onde comiam e dormiam. Este espaço, além da área envolvente onde os
trabalhadores dormiam, no chão, tinha uma lareira central, como existia, por
exemplo, na herdade da Coitadinha, hoje transformada, onde um trabalhador, o
rancheiro, era incumbido de olhar pelos
pochêros (panela pequena de barro) com o comer que cada um tinha para
cozinhar, bem como o transporte de água.
Era nos trabalhos
sazonais (sementeiras, mondas, ceifas, debulha, apanha de azeitonas, etc.) que
mais trabalhadores se concentravam.
Nem todas as casas da
malta possuíam esta caraterística.
Gente que dormia nesse
espaço, cuja cama era com palha ou outros meios; no chão, fosse Verão ou
Inverno; gente que, quando se levantavam, tinham os ossos todos moídos da
dureza da cama; gente que, quantas vezes encharcados em água, tinham de secar
ao lume a roupa que traziam posta, para no dia seguinte, ao nascer do sol, estarem
prontos para mais um dia de trabalho penoso. Que motivação teria estas gentes para,
depois de tantas vicissitudes, desempenhar o seu trabalho com o máximo empenho!
Como se depreende, a motivação era ganhar uns escudos (poucos), para poderem
comprar alimentos para pôr na mesa à sua família.
Essas casas da malta, dos mais abastados,
possuíam paus espetados nas paredes para os trabalhadores pendurarem os
alforges com os alimentos (poucos, porque os tempos não eram de grande abastança),
para toda a semana, bem como as mantas ou mantões. Havia trabalhadores que
acordavam com os patrões para a alimentação ser de conta destes, sendo o comer
servido numa terrina donde todos comiam. Os menos abastados possuíam uma casa
da malta improvisada, com uma habitação existente no monte com chaminé para
fazer lume, e a dormida cada um procurava o canto que mais gostasse no chão.
Gente que trabalhavam
de sol a sol. Gente que só descansavam ao domingo, e nem sempre! Esta gente
quando chegava ao desejoso sábado toca a aparelhar os jumentos e ‘ala!, a caminho
de casa que a noite espreita. Na segunda-feira, antes de nascer o sol, os que
trabalhavam nas Russianas, que era onde havia mais assalariados, faziam a sua
concentração no celeiro, hoje bombas de gasolina e, em caravana, nos seus
jumentos, animais de carga predominantes no concelho, lá iam contentes,
cantando e alegres pelos caminhos fora até chegarem aos seus destinos de trabalho,
para começarem mais uma semana de labuta.
Eram tempos sofridos!
Tempos de fortuna adversa. Higiene não havia. A roupa que vestiam na segunda-feira,
só no sábado, quando vinham a casa e depois de se lavarem numa panêra ou
alguidar - chuveiros, só alguns improvisados de cinco ou dez litros, porque
água canalizada nem sonhar - é que mudavam de roupa. Era uma vida cheia de penosidade,
merecedores daquilo que hoje conhecemos como “subsídio de penosidade”, mas
naquele tempo nem se falava, nem se conheciam regalias sociais. Era trabalho e
só trabalho! E pior ainda, era ter que trabalhar e aguentar calado, porque
atrás deles estavam outros à espera que uma falha se verificasse para ocupar o
seu lugar, em virtude da grande falta de trabalho existente.
Tempos em que o
trabalho era precário.
Difíceis como tudo naquele tempo.
Difíceis como tudo naquele tempo.
Os que ainda se
encontram entre nós certamente recordarão aquelas agruras da vida. Com saudades….?
Ou Amargura!!.
Barrancos, 3 de
dezembro de 2019
Ass) José Peres Valério
Vídeo/reportagem do Monte da Coitadinha e Casa da Malta (1992-1993)
(Cortesia: Francelino Domingues)
Casa da Malta do Monte da Coitadinha (s/d), finais dos anos 1970 (Fotos: Cortesia PNN |
Casa da Malta, exterior e interior - Monte da Coitadinha, na atualidade, enquanto alojamento local (Foto: PNN) |
Monte da Coitadinha, 1936 |
Monte da Coitadinha, 1999 |
Monte da Coitadinha, 2011 (Fotos; Cortesia PNN - daqui) |
4 comentários:
Muito interesante
É sempre bom que alguém conte e relembre estes dias tão amargos, para todos aqueles que infelizmente tiveram que viver com eles. Mas se pararmos para pensar, não é com isto que nos querem manter nos dias que correm? Será que não temos hoje pessoas a trabalhar em situação de medo que venha outro e roube o seu lugar porque há muitos na fila e falta o trabalho na região? mamar e calar? Me parece que sim, mais agora que noutros tempos. Analisem bem. Esperemos que jamais se volte ao tempo em que as diferenças entre o muito rico e o pobre eram tão absurdas.
obrigado José e jacinto por não permitir que a história caia no esquecimento.
Os créditos são do Zé Valério, que já tem outra excelente história no prelo, para brevemente.
cpts
Jacinto um escreveu o outro partilhou, o mérito é de ambos.
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