“A mesa está posta. Os pratos brancos com flores azuis à volta e
ao centro um cavalinho sobre uma ponte. Os garfos, as facas, os guardanapos e
os copos. A toalha é aquela, de linho bordado a azul, com flores e pássaros que
levam nos bicos cerejas vermelhas. As cadeiras são quatro: a minha, a do meu
irmão, a do meu pai e a da minha mãe.
Todos
os anos, na noite de Natal, faço a ceia, ponho a mesa e espero a chegada deles.
Levei
todo o dia a cozinhar: carne de porco com amêijoas, uma galinha acerejada,
arroz-doce e filhós, para a sobremesa. Comprei aquele vinho abafado que o meu
pai e o meu irmão tanto gostam. Sempre fiz assim.
Estou
velha e cansada de viver.
Esperei
até tarde, porque o meu irmão vinha da vila. Depois, sentei-me ao lume e
adormeci. Quando acordei, era de madrugada, já as pessoas tinham vindo da Missa
do Galo, já o sino badalara, já em todas as casas se tinham aberto os
presentes. Espreitei a rua, mas só vi silêncio e sombras. Tudo parado. Tudo
morto como as casas. Levantei os pratos, os garfos, as facas, os guardanapos,
os copos, a toalha de linho. Depois, pus umas coisas no guarda-louça e outras
na arca. A comida, dei-a aos cães porque o meu pai já morreu, a minha mãe já
morreu, o meu irmão já morreu, e eu não sei se ainda estou viva.”
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