terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Contributos para a História de Barrancos (V) – a Iguala

Sendo a palavra “iguala”, a terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo igualar, para o povo de Barrancos é-lhe indiferente como verbo, para o caso que passo a citar. São apenas seis letras que lhes diz muito.
Porque?
Porque nos faz recuar no tempo. Décadas de 40 a 60 do século passado.
Como é do conhecimento geral a saúde é um bem que qualquer cidadão prima nos dias de hoje sem esquecer os de então. Um direito inegável. Um direito que, hoje, através do S.N.S. (Serviço Nacional de Saúde) protege o povo na generalidade.
Como atrás se diz, a palavra IGUALA, nas décadas supra, era o nome que se atribuía ao acordado entre médico e utente para aquele prestar assistência médica aos habitantes desta Terra. Como o povo era pobre, vivendo com dificuldades lutando por todos os meios para angariar uns tostões para pôr na mesa a deficiente alimentação, já por si subnutrida, para os seus filhos, o médico com o seu altruísmo pôs em prática este sistema aliviando assim, um pouco, as canseiras que as pessoas passavam, cuja contrapartida (Iguala) seria, consoante o agregado familiar, paga em trigo ou em numerário, anualmente.
Eram tempos de muitas doenças: crianças e adultos subnutridos com sarampo, papeira, gripes, tosse convulsa, tuberculose, e partos, etc, a que o médico, Dr. Fernandes, filho da terra, tinha que prestar os cuidados inerentes à profissão durante 24 horas diárias no seu consultório ou levantando-se da sua cama indo à casa do doente a qualquer hora do dia ou da noite, madrugada incluso, sem olhar as intempéries que se lhes deparavam.
Também prestava assistência médica na mina de Apariz, já com um grande aglomerado populacional, que dista da vila aproximadamente  12 Km.
Mas esta situação não se verificava apenas em Barrancos, mas por todo o interior do país continental, como nos descreve o médico e escritor Fernando Namora, que ia de burro aos lugares mais recônditos das serranias beirãs por caminhos de cabras, veredas, etc. consultar os seus doentes porque não tinham meios para se deslocarem ao consultório.
Outros tempos! Tempos difíceis para este e outros médicos do interior do país que profissional e humanamente prestavam assistência a estas gentes indigentes, em especial, porque era o grau social que predominava no concelho, sem olhar a esforços.
A vida para estes profissionais, apesar da formação que possuíam, também era de sofrimento ao verem pessoas assustadas, acanhadas, queixando-se quantas vezes a quererem exprimir o que tinham, ora dor num lado ora noutro, e não conseguiam porque o obscurantismo era total e tinha que ser o médico a adivinhar.
Casos houve, em que tinha que se deslocar ao campo, a malhadas e montes, a ver pacientes que não se podiam deslocar de burro ou outro meio, porque automóvel só para quem tivesse muitas posses.
Como se depreende a higiene era precária.  Água canalizada nem sonhar.
Chegado o mês de Julho/Agosto lá ia o Tio Eduardo (espécie de cobrador) com o seu burro e o meio alqueire de porta-em-porta receber as igualas do trigo, porque em numerário era pago diretamente ao médico.
Após o falecimento deste, outros se seguiram como o Zé D’Avó. O mais recente e talvez o último!
Tempos que, comparados aos de hoje, existe uma diferença abissal. Hoje, outros tempos. Tempos de evolução. Tempos que devíamos ter uma saúde bem melhor daquela que temos.
Foi com a conquista do 25 de Abril de 1974 que outros rumos se criaram dando origem ao SNS (Serviço Nacional de Saúde), que infelizmente tão mal tratada é.
Barrancos, 16 de dezembro de 2019
Ass) José Peres Valério
burro com alforges, semelhante ao da recolha da Iguala
(Foto: daqui)

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