quarta-feira, 7 de julho de 2010

Governo despede médico de Barrancos e não autoriza contratação de farmacêutico

O governo obriga a Câmara Municipal de Barrancos a despedir o médico e não autoriza a contratação de farmacêutico!

1 - “Na sequência de uma petição do povo barranquenho, o governo comunicou à Câmara Municipal de Barrancos e Noudar que não aceita a contratação do farmacêutico ou boticário espanhol, para o exercício de medicina, informando que, pelo salário proposto, seja contratado um médico português, formado numa universidade portuguesa.”
2 - “Confirmadas as suspeitas transmitidas pelo governo civil de Beja, em 19 de Maio último, o governo notificou a Câmara de Barrancos para que proceda ao despedimento do médico, que não é português, nem está habilitado pelas escolas do País, para exercer a medicina.”

Estas duas notícias poderiam ser actuais, porque em tudo traduzem os problemas e as reivindicações que  os barranquenhos têm tido ao longo dos tempos: a falta de médicos; as reivindicações para a colocação dos médicos; o preenchimento das vagas de médicos de família; etc; etc; etc;.
Contudo, são notícias dos séculos XVIII e XIX - a primeira datada de 3 de Outubro de 1774, tem 235 anos! A segunda, de 1 de Julho de 1862, isto é, há 148 anos.
Numa altura em que estão prestes a começar as obras do novo Centro de Saúde de Barrancos, pareceu-me pertinente dar a “conhecer o passado para entender o presente e (tentar) construir o futuro”.
A história:
 – 7 de Agosto de 1774:
A Câmara de Barrancos (CMB) promove uma petição  (foto 1), que a população local subscreve e envia a "sua Magestade" através do provedor da comarca de Beja. Na petição, a CMB informa que na falta de médico no reino, situação recorrente e muito preocupante, o Povo está disponível para suportar os salários de um boticário espanhol, que pelos vistos toda a gente lhe reconhece capacidades na área da medicina, para que "curasse as enfermedades da população".
- 3 de Outubro de 1774:
Ouvidas as explicações do município local, "oficiais da Câmara, Nobreza e Povo", o Provedor da Comarca de Beja emite parecer favorável à contratação, devido à situação geográfica da Vila, pelo facto de "duas partes da população de Barrancos, ser espanhola e uma portuguesa".
 – 29 de Outubro de 1774:
Em resposta à petição barranquenha o governo português, ignorando o parecer favorável do provedor de Beja, com a arrogância e o desprezo do costume(!), indefere a pretensão e intima a Câmara de Barrancos para que, com o salário proposto de "cinco moyos e 40 alqueires de trigo" contrate um médico português, "graduado no reino, que possa residir na Vila de Barrancos”. Enfim, para o (des)governo da altura, tal como o de hoje, havia médicos disponíveis para "residir em Barrancos"….
Era rei, D. José, tendo como primeiro-ministro o Marquês de Pombal. O despacho de indeferimento da petição foi subscrito, provavelmente, pelo ministro da interior, cuja assinatura é ilegível.
– Não sabemos se a CMB foi bem sucedida na contratação de médico “formado nas escolas nacionais”, mas tendo em conta os desenvolvimentos de 1862, tudo leva a crer que a situação não tenha mudado nada, antes se agravasse. Médico, continuava a não haver. A população, paupérrima, continuava sem qualquer tipo de assistência médica. A distância a Moura tornava impossível a "ida ao médico".  Os boticários e farmacêuticos espanhóis iam dando alguma ajuda, com as “mezinhas”,… e a Câmara Municipal lá ia arranjando subterfúgios para cuidar da assistência médico-sanitária da sua população. O Centro de Saúde de Encinasola, ainda não existia!?...
– 1 de Julho de 1862:
Entretanto alguém, provavelmente descontente, informa o governador civil de Beja da colocação em Barrancos, de D. Manuel Badajoz Cardenal, “que não é português, nem habilitado perante as escolas do país para exercer medicina…” Uma afronta. Um crime de lesa-pátria estaria a ser cometido pela Câmara local!...
– Seguidamente, o governo, célere como de costume, determina por Portaria de 01/07/1862 (foto 2), que a Câmara de Barrancos proceda à demissão do D. Manuel Badajoz Cardenal, por não ser português nem habilitado pelas escolas do país, para exercer a medicina. Ao mesmo tempo, confirmadas as ilegalidades, determina-se que sejam participadas ao ministério público.
Era rei D. Luís, que tinha como primeiro-ministro o Duque de Loulé. A Portaria foi assinada pelo ministro do interior, Anselmo José Braancamp de Almeida Castelo Branco.
Em suma, não foi possível contratar o boticário, mas foi demitido o “medico”, que não era português, nem formado nas escolas nacionais. Ficou, com toda a certeza, mais um problema para resolver pelas autoridades municipais que, ... 250 anos depois ainda se mantém...

Decisão de 29/10/1774 sobre a petição da população barranquenha

Portaria de demissão do médico espanhol

Lista dos subscritores da petição:

Vereador Simão Pirez
Vereador Jacinto Theodósio
Vereador Jacinto Mendes
O Procurador José de Souza

- Salvador José da Silva
- Frey Martinho
- Frey Carrasco
- Dom Eufrazio Dias Pereira (padre)
- Francisco Mendes (Tabelião Público do Judicial e Notas, por mercê de D. Nuno Pereira de Melo, 4.º Duque de Cadaval )
- Jacinto Severino Bernardo
- Manuel Martins
- Domingos Fernandes
- António Caeiro
- Nicolau de Almeida
- Manuel Luís
- Alexandre Nunes
- Theodósio da Paixão
- Manuel Rodrigues
- José Fernandes
- João de Oliveira
- Gregório Rodrigues
- Francisco José
- António Jesus

[Entre outros nomes ilegíveis]
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Nota: Este artigo só foi possível graças à prestimosa colaboração da Domingas Segão, Historiadora, com formação em paleografia e diplomática, que transcreveu o documento de 1774 adquirido na Torre do Tombo.

5 comentários:

Vânia Reganha disse...

EXcelênte artigo Jacinto. Muito parabéns a ti a á Domingas.
Vânia

Anónimo disse...

também gostei muito :) nunca pensei que barrancos tivesse artigos dessas alturas!!

cumprimentos kiko bergano

romcadur disse...

O Jacinto está com timbre de jornaliosta, escolhe um cabeçá-lho chamativo que pouco tem a ver com a realidade actua - ou não estivessemos nós na UE - e faz daí um bonito e interessante artigo de história de Barrancos, compilado pela própria historiadora, retirado da Torre do Tombo, onde deverá haver muitos mais e bastante interessantes.
Pela parte que me toca, direi que é muito do meu agrado tudo quanto tenha este cariz histórico, pois é isto que nos dá identidade.
gostei muito e fico à ESPERA DE MAIS.

Anónimo disse...

Obrigada Vânia. Apenas analisei e transcrevi o documento. É muito interessante descodificar e transcrever esses documentos, e, mais ainda, quando relacionados com a história da nossa terra.

Beijinhos
Domingas Segão

Maria galhoz disse...

É muito interessante trazer para a actualidade tais factos e constatamos que as coisas não mudaram assim tanto.A interioridade continua sendo uma fatalidade e o povo de Barrancos continuam com muitas carências na área da saúde.
Bom tema que trouxe para reflexão.