terça-feira, 11 de agosto de 2020

Contributos para a História de Barrancos IX - Desporto

Mais um contributo (IX) para a história local, da pena de José Peres Valério, que o eB volta a publicar, com a autorização/cortesia do seu autor:
(...)
"Barrancos teve na infância dos seus filhos, em tempos remotos, antes da década de 1920/30 do Séc. XX, uma visão do desporto praticamente nula. Não porque não houvesse interesse em certas camadas jovens mas porque a vida vivida naquele tempo não o permitia.
Eram tempos, não direi difíceis, mas dificílimos. As crianças de então, miúdos(as), mal começavam a ter capacidade para desempenhar qualquer atividade no campo, em especial, ou outros afazeres, os pais punham-nos a trabalhar para ganharem uns magros tostões para colmatar as despesas familiares não havendo por conseguinte espaço nem condições para poderem pôr em prática tal desejo dos jovens.
A escola, entidade que deveria criar a disciplina de desporto cuja atividade era e é benéfico para o desenvolvimento físico e mental do ser humano, não o fez. Naquele tempo era só exploração. As crianças cedo começavam a trabalhar - nunca foram crianças - com a agravante de se propagar o analfabetismo atingindo proporções indesejáveis. A maioria da população era analfabeta.
O Estado Novo de então pouco ou nada se interessava em dar uma formação adequada aos seus concidadãos. O Povo queria-se analfabeto!!! O desenvolvimento humano para o Governo era trabalho, trabalho, trabalho, “quando havia”, em condições precárias e soldos magros para pais e filhos. A grande maioria dos jovens não estudavam além da 3ª classe ou menos. Só mais tarde por volta do ano de 1956 é que foi instituída a obrigatoriedade de estudarem até à 4ª. classe só para o sexo masculino. Para o sexo feminino só a partir de 1960. Mas, como se diz, eles e elas tinham que trabalhar desde que as suas forças o permitissem não havendo lugar a prática de desporto. Vivia-se num total obscurantismo.
O desporto praticado pelos jovens residentes na vila, a única modalidade, excluindo os jogos de mesa (dominó, cartas, damas, xadrez) era o futebol, desporto rei praticado nos diversos recantos do mundo. E diz-se os residentes na vila, porque os que viviam no campo não tinham possibilidade de juntarem-se a estes e participarem em desafios uns com os outros. Eles tinham que acompanhar os pais nas tarefas que lhes eram incumbidas.
Entretanto os artífices e funcionários públicos daquele tempo, jovens que exerciam as suas profissões na vila, nos anos de 1925/30, impulsionados, consta-se, pelo jovem Francisco Balsa Escoval organizam uma equipa de futebol que, em especial, na primavera, realizavam jogos entre eles e às vezes com equipas de localidades vizinhas nomeadamente com Encinasola em Espanha, desconhecendo-se a forma como eles se deslocavam atendendo ao fecho da fronteira e a situação política de então.
Mas, como se verifica, houve sempre uma relação de aproximação bastante grande entre ambos os povos, não existindo, por conseguinte, barreiras fronteiriças.
Os jogos eram realizados nas Eiras de Carrasco, hoje estação de recolha do lixo, que, para se fazerem as balizas eram transportados, pelos “craques”, aos ombros, madeiros que colocados nos extremos do terreno passava-se um cordel de madeiro a madeiro e assim estavam criadas as balizas. Eram jogos que não tinham uma assiduidade constante. De tempos a tempos quando um se lembrava lá iam fazer os seus jogos no local citado que dista da vila aproximadamente 2 Km.
Equipamento: cada um levava a roupa que tinham. Botas: nem sonhar, só os que tinham mais posses é que calçavam botas de futebol, os outros calçavam alpargatas de trapo ou botas de um tecido que quando acabavam os jogos tinham os pés cheios de bolhas! e outros, ainda, descalços, porque os sapatos melhorzinhos que tinham não eram para estas aventuras e tinham que se poupar porque dinheiro para outros não havia.
Entretanto, pensasse, houve um grande interregno que mais tarde, década de 1950, com o voluntarismo do Mário Francisco Fernandes Escoval, com uma vocação enorme para e desporto, retoma aquele tempo perdido desta atividade desportiva e, começa a contatar, também, os artífices da terra, funcionários públicos e alguns, poucos, que se ocupavam em outros trabalhos, para se organizar uma equipa de futebol que, inesperadamente, deu continuidade ao tempo atrás referido e assim forma equipa que defrontavam as localidades vizinhas, bem como com a equipa da Mina da Apariz, aglomerado populacional que laboravam na respetiva mina no concelho de Barrancos.
Mas passou-se um episódio curioso. Em determinado jogo para defrontar o Safara não havia bola, conhecida no nosso meio como bola de catechu, (bola em couro exterior e borracha por dentro enchendo-se de ar que, mais tarde, com a criação da vulcanização criou-se bexigas infláveis que pressionava o couro externo da bola). O Mário Escoval sabendo que havia um miúdo a quem lhe tinha pertencido uma bola de catechu na loja do Tio Raúl, com os cromos de futebolistas, que ia juntando com uns tostões que angariava a fazer mandados, preenchendo uma caderneta, foi ter com ele: - Zé não te importas de nos emprestar a tua bola, porque não temos nenhuma, para jogarmos com o Safara? O Zé respondeu-lhe que não se importava emprestara-la mas só com a anuência dos pais que, de imediato, foi concedida não só para este jogo como para tantos outros que se seguiram. Lá ficou o problema resolvido e se a memória não me falha até ganhamos o jogo, havendo seguidamente o salutar convívio com um lanche na Sociedade Recreativa Artistica Barranquense (edifício antigo, Sociedade dos Rapazes).
Mais tarde, década de 1960/70, passaram-se a realizar os jogos no campo do baldio, hoje Campo Municipal de Barrancos, adaptado para o efeito, até a construção do atual.
Entretanto, com a evolução do tempo, porque não para, eis que no fim da década de 1950 princípio de 1960, do século transato, é criada a Ala nº. 8 da Mocidade Portuguesa em Barrancos destinada as crianças entre os 7 e 14 anos de idade, Centro Escolar, e Centro Extra-Escolar para maiores de 14 anos.
Neste Organismo existiam diversas atividades tais como: Ténis de Mesa, Voleibol e Tiro com carabina de ar, disputando-se campeonatos Distritais em todas as modalidades, tendo alcançado em 20/3/1960, em Beja, um notável 2º. lugar no tiro. Além destes jogos haviam jogos de mesa para os mais jovens.
A coordenação de toda a atividade desportiva estava a cargo do Mário Escoval que, também ele, praticava e ensinava a modalidade do hóquei em patins com patins existentes na escola dos rapazes.
Não havendo espaço apropriado nas escolas para a prática de ginástica os responsáveis improvisaram um mini-pavilhão na sede da Mocidade, hoje edifício instalada a Câmara Municipal, no salão virado para a Rua da Igreja, constituído por: Plinto Piramidal, Cordas, Argolas, Trapézio e Escada que a juventude residente praticava, se bem me lembro, três vezes por semana com os respetivos equipamentos adequados, também coordenada pelo Mário Escoval.
Mais tarde a organização perdeu vitalidade que, deduz-se, passaram a ficar centrada nas Escolas. E em 1974 pelo derrube do regime, foi extinta.
Porém, com a ausência definitiva de Barrancos do Mário Escoval, outros amantes do futebol certamente deram continuidade a formação de equipas no período das décadas de 1960/70 do Séc. passado.
E assim fechou-se um ciclo. Outro se criou com a Juventude mais esclarecida e dinâmica até a criação do Barrancos Futebol Clube em 1982 do Séc. XX. que, este, bem organizado, tem contribuído para o desenvolvimento não só do futebol (benjamim, iniciados, juvenis, juniores e seniores) chegando a obter um invejável currículo a nível Distrital desde Benjamim a Seniores tendo-se destacado a conquista de vários Troféus, entre outros: Taça disciplina da Associação de Futebol de Beja (AFB) em 1985/86, 1990/91, 2009/2010 e 2011/2012; Taça Distrital de Beja em 2009/2010; Campeão 2ª. divisão Distrital em 1999/2000 e Campeão-Série A 2ª. divisão Distrital da AFB em 2001/2002 como, também, no atletismo, destacando-se os atletas Paulo Guerra e Manuel Damião que levaram bem alto o nome de Barrancos em particular e o nome de Portugal em especial pelos mais recônditos cantos do mundo, nomeadamente o Paulo. Além destas modalidades também se pratica futebol de 5/7, BTT e outras.
Não obstante e não existindo Clube de Pesca, apesar do grande empenho e assiduidade de muitos jovens e mais velhos, gostarem de praticar a modalidade, foi criado o Clube Amadores de Pesca Desportiva de Barrancos fundado em 10/11/1987, Séc. XX, por um grupo de cinco amantes da pesca desportiva cujos elementos foram: José Valério, que coordenou, Diogo Fialho, José Gala, João Luís Godinho e Quim Ferraz mantendo-se em atividade até aos nossos dias.
Barrancos. 10 de Agosto de 2020
ass) José Peres Valério"
Em cima, campo improvisado como o da Eira de Carrasco,
em baixo, atual Estádio Municipal de Futebol (esq) e equipa do BFC (dta)
(texto/fotos, in José Valério, facebook)

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