Mais um contributo (IX) para a história local, da pena de José Peres Valério, que o eB volta a publicar, com a autorização/cortesia do seu autor:
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"Barrancos teve na infância dos seus filhos, em tempos remotos, antes da década de 1920/30 do Séc. XX, uma visão do desporto praticamente nula. Não porque não houvesse interesse em certas camadas jovens mas porque a vida vivida naquele tempo não o permitia.
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"Barrancos teve na infância dos seus filhos, em tempos remotos, antes da década de 1920/30 do Séc. XX, uma visão do desporto praticamente nula. Não porque não houvesse interesse em certas camadas jovens mas porque a vida vivida naquele tempo não o permitia.
Eram tempos, não direi difíceis, mas dificílimos. As crianças de então,
miúdos(as), mal começavam a ter capacidade para desempenhar qualquer atividade
no campo, em especial, ou outros afazeres, os pais punham-nos a trabalhar para
ganharem uns magros tostões para colmatar as despesas familiares não havendo
por conseguinte espaço nem condições para poderem pôr em prática tal desejo dos
jovens.
A escola, entidade que deveria criar a disciplina de desporto cuja
atividade era e é benéfico para o desenvolvimento físico e mental do ser
humano, não o fez. Naquele tempo era só exploração. As crianças cedo começavam
a trabalhar - nunca foram crianças - com a agravante de se propagar o
analfabetismo atingindo proporções indesejáveis. A maioria da população era
analfabeta.
O Estado Novo de então pouco ou nada se interessava em dar uma formação
adequada aos seus concidadãos. O Povo queria-se analfabeto!!! O desenvolvimento
humano para o Governo era trabalho, trabalho, trabalho, “quando havia”, em
condições precárias e soldos magros para pais e filhos. A grande maioria dos
jovens não estudavam além da 3ª classe ou menos. Só mais tarde por volta do ano
de 1956 é que foi instituída a obrigatoriedade de estudarem até à 4ª. classe só
para o sexo masculino. Para o sexo feminino só a partir de 1960. Mas, como se
diz, eles e elas tinham que trabalhar desde que as suas forças o permitissem
não havendo lugar a prática de desporto. Vivia-se num total obscurantismo.
O desporto praticado pelos jovens residentes na vila, a única modalidade,
excluindo os jogos de mesa (dominó, cartas, damas, xadrez) era o futebol,
desporto rei praticado nos diversos recantos do mundo. E diz-se os residentes
na vila, porque os que viviam no campo não tinham possibilidade de juntarem-se
a estes e participarem em desafios uns com os outros. Eles tinham que
acompanhar os pais nas tarefas que lhes eram incumbidas.
Entretanto os artífices e funcionários públicos daquele tempo, jovens que
exerciam as suas profissões na vila, nos anos de 1925/30, impulsionados,
consta-se, pelo jovem Francisco Balsa Escoval organizam uma equipa de futebol
que, em especial, na primavera, realizavam jogos entre eles e às vezes com
equipas de localidades vizinhas nomeadamente com Encinasola em Espanha,
desconhecendo-se a forma como eles se deslocavam atendendo ao fecho da
fronteira e a situação política de então.
Mas, como se verifica, houve sempre uma relação de aproximação bastante
grande entre ambos os povos, não existindo, por conseguinte, barreiras
fronteiriças.
Os jogos eram realizados nas Eiras de Carrasco, hoje estação de recolha do
lixo, que, para se fazerem as balizas eram transportados, pelos “craques”, aos
ombros, madeiros que colocados nos extremos do terreno passava-se um cordel de
madeiro a madeiro e assim estavam criadas as balizas. Eram jogos que não tinham
uma assiduidade constante. De tempos a tempos quando um se lembrava lá iam
fazer os seus jogos no local citado que dista da vila aproximadamente 2 Km.
Equipamento: cada um levava a roupa que tinham. Botas: nem sonhar, só os
que tinham mais posses é que calçavam botas de futebol, os outros calçavam
alpargatas de trapo ou botas de um tecido que quando acabavam os jogos tinham
os pés cheios de bolhas! e outros, ainda, descalços, porque os sapatos
melhorzinhos que tinham não eram para estas aventuras e tinham que se poupar
porque dinheiro para outros não havia.
Entretanto, pensasse, houve um grande interregno que mais tarde, década de
1950, com o voluntarismo do Mário Francisco Fernandes Escoval, com uma vocação
enorme para e desporto, retoma aquele tempo perdido desta atividade desportiva
e, começa a contatar, também, os artífices da terra, funcionários públicos e
alguns, poucos, que se ocupavam em outros trabalhos, para se organizar uma
equipa de futebol que, inesperadamente, deu continuidade ao tempo atrás
referido e assim forma equipa que defrontavam as localidades vizinhas, bem como
com a equipa da Mina da Apariz, aglomerado populacional que laboravam na
respetiva mina no concelho de Barrancos.
Mas passou-se um episódio curioso. Em determinado jogo para defrontar o
Safara não havia bola, conhecida no nosso meio como bola de catechu, (bola em
couro exterior e borracha por dentro enchendo-se de ar que, mais tarde, com a
criação da vulcanização criou-se bexigas infláveis que pressionava o couro
externo da bola). O Mário Escoval sabendo que havia um miúdo a quem lhe tinha
pertencido uma bola de catechu na loja do Tio Raúl, com os cromos de
futebolistas, que ia juntando com uns tostões que angariava a fazer mandados,
preenchendo uma caderneta, foi ter com ele: - Zé não te importas de nos emprestar
a tua bola, porque não temos nenhuma, para jogarmos com o Safara? O Zé
respondeu-lhe que não se importava emprestara-la mas só com a anuência dos pais
que, de imediato, foi concedida não só para este jogo como para tantos outros
que se seguiram. Lá ficou o problema resolvido e se a memória não me falha até
ganhamos o jogo, havendo seguidamente o salutar convívio com um lanche na
Sociedade Recreativa Artistica Barranquense (edifício antigo, Sociedade dos Rapazes).
Mais tarde, década de 1960/70, passaram-se a realizar os jogos no campo do
baldio, hoje Campo Municipal de Barrancos, adaptado para o efeito, até a
construção do atual.
Entretanto, com a evolução do tempo, porque não para, eis que no fim da
década de 1950 princípio de 1960, do século transato, é criada a Ala nº. 8 da
Mocidade Portuguesa em Barrancos destinada as crianças entre os 7 e 14 anos de
idade, Centro Escolar, e Centro Extra-Escolar para maiores de 14 anos.
Neste Organismo existiam diversas atividades tais como: Ténis de Mesa,
Voleibol e Tiro com carabina de ar, disputando-se campeonatos Distritais em
todas as modalidades, tendo alcançado em 20/3/1960, em Beja, um notável 2º.
lugar no tiro. Além destes jogos haviam jogos de mesa para os mais jovens.
A coordenação de toda a atividade desportiva estava a cargo do Mário
Escoval que, também ele, praticava e ensinava a modalidade do hóquei em patins
com patins existentes na escola dos rapazes.
Não havendo espaço apropriado nas escolas para a prática de ginástica os
responsáveis improvisaram um mini-pavilhão na sede da Mocidade, hoje edifício
instalada a Câmara Municipal, no salão virado para a Rua da Igreja, constituído
por: Plinto Piramidal, Cordas, Argolas, Trapézio e Escada que a juventude
residente praticava, se bem me lembro, três vezes por semana com os respetivos
equipamentos adequados, também coordenada pelo Mário Escoval.
Mais tarde a organização perdeu vitalidade que, deduz-se, passaram a ficar
centrada nas Escolas. E em 1974 pelo derrube do regime, foi extinta.
Porém, com a ausência definitiva de Barrancos do Mário Escoval, outros
amantes do futebol certamente deram continuidade a formação de equipas no
período das décadas de 1960/70 do Séc. passado.
E assim fechou-se um ciclo. Outro se criou com a Juventude mais esclarecida
e dinâmica até a criação do Barrancos Futebol Clube em 1982 do Séc. XX. que,
este, bem organizado, tem contribuído para o desenvolvimento não só do futebol
(benjamim, iniciados, juvenis, juniores e seniores) chegando a obter um
invejável currículo a nível Distrital desde Benjamim a Seniores tendo-se
destacado a conquista de vários Troféus, entre outros: Taça disciplina da
Associação de Futebol de Beja (AFB) em 1985/86, 1990/91, 2009/2010 e 2011/2012; Taça Distrital de Beja em
2009/2010; Campeão 2ª. divisão Distrital em 1999/2000 e Campeão-Série A 2ª. divisão
Distrital da AFB em 2001/2002 como, também, no atletismo, destacando-se os
atletas Paulo Guerra e Manuel Damião que levaram bem alto o nome de Barrancos
em particular e o nome de Portugal em especial pelos mais recônditos cantos do
mundo, nomeadamente o Paulo. Além destas modalidades também se pratica futebol
de 5/7, BTT e outras.
Não obstante e não existindo Clube de Pesca, apesar do grande empenho e
assiduidade de muitos jovens e mais velhos, gostarem de praticar a modalidade,
foi criado o Clube Amadores de Pesca Desportiva de Barrancos fundado em
10/11/1987, Séc. XX, por um grupo de cinco amantes da pesca desportiva cujos
elementos foram: José Valério, que coordenou, Diogo Fialho, José Gala, João
Luís Godinho e Quim Ferraz mantendo-se em atividade até aos nossos dias.
Barrancos. 10 de Agosto de 2020
ass) José Peres Valério"
Em cima, campo improvisado como o da Eira de Carrasco,
em baixo, atual Estádio Municipal de Futebol (esq) e equipa do BFC (dta)
(texto/fotos, in José Valério, facebook)
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