A propósito do projeto mineiro de Valdegrama, abaixo se publica o artigo conjunto de António Eloy, Félix Talego, Juan Diego Perez e Pedro Soares, que tem o apoio do eB:
"Uma mina contra o Montado e a vida neste
Hortas
centenárias, herdades de montado de sobreiros, azinheiras, castanheiros e
carvalhos, linhas de água que estruturam estes territórios e que ligam a Ibéria
estão ameaçadas.
Mais
de mil e setecentos hectares da Serra Morena (municípios de Cortegana,
Almonaster la Real e Aroche) bordejando o “Paraje Natural” da Serra Pelada e da
Ribeira do Serrador e uma das principais zonas de nidificação do abutre negro
na Europa estão ameaçados pelo projecto mineiro de Valdegrama (em fase de
investigação). Portugal aqui tem pé!
As
comarcas portuguesas e andaluzas cujo solo é percorrido pala faixa pirítica
acumulam experiências dos efeitos destrutivos do extractivismo mineiro,
emissões ácidas (chamada manta), erosão e desertificação dos solos e sobretudo
contaminação das águas superficiais e subterrâneas por escorrimentos ácidos,
com efeitos cumulativos no tempo. Os exemplos da contaminação do Sado pela mina
de Aljustrel (e para quando um estudo médico da contaminação por arsénio, com
elevados níveis, que afecta o crescimento das crianças nesta zona?), da ribeira
do Mosteirão, afluente do Chança, contaminada pela de São Domingos, ou os rios
Odiel e Tinto com concentrações tóxicas em certos troços e só adaptadas para
bactérias extremófilas, e o rio
Guadiamar que cheio de lodos acumulados levou à ruptura do muro mineiro
de Aznalcóllar, um dos maiores desastres ambientais na Península, afectando uma
área imensa e o Parque de Doñana.
No
Alentejo e na Andaluzia temos uma pesada herança da minaria transnacional
(também com muitos mortos no seu activo!) e enormes, enormes passivos
ambientais e prostração económica e social. A pegada de um século e meio de
mineração nas nossas terras levou não só a vida dos nossos rios, a abundância
do arvoredo autóctene e a diversidade da vida agropecuária e da biodiversidade
com ela relacionada mas também a memória do passado, os relacionamentos
sócio-culturais desta área.
Hoje
a Geoland propõe-se extrair grafito ou minerais como o cobre, níquel e outros
sulfuros polimetálicos característicos desta faixa, sabendo nós que a mineração
destes metais não ferrosos é altamente contaminante, pois espalha pelas
superfícies elementos como o enxofre e metais pesados, sobretudo quando feita a
céu aberto. Mas qual, qual seria o benefício para as nossas terras?
Esta
exploração do subsolo, sem cuidar do direito de superfície, só serve para
alimentar os capitais financeiros, a especulação desenfreada em bolsa e a
voracidade de um industrialismo sem horizontes nem sustentabilidade (porque não
investir e isso sim criaria postos de trabalho, na recuperação e reciclagem
destes minérios?)
É
que nada ou quase vai sobrar deste fogacho a não ser a dependência de lógicas,
limitadas no tempo, de minas e os eucaliptais que lhes sucedem, dado que a
devastação por enxofre empobrece os solos e impossibilita alternativas, por
mais que projectos de turismo temático nos procurem levar a Marte ( como em Rio
Tinto onde andamos vestidos de astronautas em paisagens arrasadas).
Passeando
pelas zonas de povoados mineiros vemos miséria que deixou evidente, nestas
terras sacrificadas, a falaz publicidade destas companhias que liquidam o
futuro e qualquer sustentabilidade no presente.
Este
novo afã extractivista percorre, corrompe inexplicavelmente as chefias de
todos, quase todos, os partidos ibéricos, que se sintonizam com os interesses
(e os pagamentos?) das empresas mineiras (muitas só existem de fachada ou com
um armazém nos EUA).
Temos
que denunciar o projecto Valdegrama e outros nessa linha pois correspondem ao
ultrapassar de uma das últimas fronteiras da mineração no Sudoeste ibérico,
seja pelos elevados consumos de água seja pelos escorrimentos ácidos que acabam
com os pequenos recursos hídricos, poços e aquíferos ainda a salvo de Democles,
da espada do mesmo.
Situado
junto a três olhos de água e perpendicular ao aquífero Aroche-Jabugo , um dos
mais importantes da Serra Morena, resultante de uma fractura de rocha granítica
e por tal muito vulnerável à contaminação, a ribeira de Alcalaboza é ainda
pristina do nascimento à Foz no Chança, livre de qualquer poluição industrial.
A sua contaminação por metais aumentaria a lista de rios doentes ou mortos do Sudoeste,
e comprometeria a saúde da água que abastece a zona mais povoada de Huelva e do
estuário do Guadiana.
Claro,
com as mentiras e demagogia que os caracterizam, os mineiristas juram que não haverá
contaminação (mas a lista de mortos e deficiências e doenças, além da
destruição das terras e dos recursos os persegue), e até dizem que isso era de
antes que (agora?) têm tecnologias de ponta que permitem uma mineração inócua
(de ficção científica! Em Marte) e que defendem a biodiversidade e até a
transição verde.
Mas
não vamos em contos de fadas a realidade já acabou com esses há muito.
As
autoridades portuguesas e espanholas têm que ouvir a razão, o ambiente e os que
queremos continuar a viver no território que fizemos do matorral, a dehesa e o
montado, as vilas nos planos e aldeias serranas.
É
necessário que este projecto seja analisado pelos dois países, além do Estudo
de Impacte Ambiental, sendo que nesse como é óbvio as autoridades portuguesas
também se terão que se pronunciar. Desde
já as autoridades portuguesas deveriam, ora por este meio também informadas, fazer
saber ao Governo espanhol que em nenhum caso a Convenção de Albufeira
(independente de pensarmos que esta deve ser modificada e aumentar as exigências
ambientais e compaginar-se com a Directiva Europeia da Água), repetimos: em
nenhum caso a Convenção e o direito internacional podem ser infringidos.
Vamos manter Alcalaboza Viva, tal é cumprir o
direito e a vida que também é por ele moldada.
Felix Talego, Prof. Universidade de Sevilha
Juan Diego Pérez, Prof. Universidade de Huelva
Pedro Soares, Geógrafo, Prof. Universitário, ex-presidente da Comissão Parlamentar de Ambiente"
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