(Publicado na Gazeta
da Beira de 17 Março de 2022)
A moral e a política
O legado de Gonçalo
Ribeiro Telles
“O homem é a natureza
consciente de si!”
Elisée Reclus
“ A rã não bebe água do lago onde vive?”
Adágio popular
A ecologia é uma
política sócio-cultural.
Antes de mais uma
nota: tenho origens em Barrancos, de uma família muito ligada à terra, um dos
meus primos foi um dos criadores da raça mertolenga, e toda a vida os animais
fizeram parte da minha vida.
E conheci Gonçalo
Ribeiro Telles * pessoalmente em 1976 ou 77 e desde então, sendo que já era um
militante e dirigente ecologista, ele faz parte da minha vida.
E sempre estive
envolvido em discussões sobre a ruralidade, a vida dos animais, a pastorícia e
com G.R.T. desenvolvi o entendimento da relação entre a agro-silvo-pastorícia e
a nossa sociedade e cultura.
O toiro, seja na
lezíria, seja no montado é um animal fundamental para a continuidade do espaço e
da sua humanização. G.R.T. era um homem do Ribatejo e de todo o lado, muitas
vezes falámos da relação do toiro com o homem e claro o cavalo, sendo ele de
uma emérita família de cavaleiros.
A importância deste
bovino para o equilíbrio da natureza, que é sempre uma parte criação, é da
maior relevância. Onde hoje há águias imperiais ou abutres negros é em zonas de
ganadaria taurina, a ligação entre a vida selvagem e a ruralidade é estreita.
Não se pode entender
o ambiente sem o cultivo da vida, sem as relações que para esse cultivo sempre
estabelecemos com a nossa criação, as
tosquias das ovelhas, a produção de queijos de diferentes espécies, a matança
do porco e o fabrico de enchidos, sempre em lógicas de continuidade. Assim o
toiro, desde sempre elemento de culto e de imaginário social e religioso,
porque há sempre religiosidade nos rituais, e nas suas festas. A história dos
toiros e da sua relação com o passado de onde vem e o futuro que modifica tem
muitas gerações e tem vindo a transformar-se, com perdas é certo, mas com
ganhos que são na sua conceptualização e melhor articulação com a palavra e o esclarecimento
bem estruturado.
A cultura do toiro é fundamental para manter os nossos campos, sem que sistemas agrícolas destrutivos em lógicas intensivas contribuam para a sua monotonia e a sua destruição, seja por plantações em regadio intensivas, seja por plantações agro-florestais espúrias do território. Os toiros preservam o território, a sua existência e continuidade, obviamente articulada com os cultos que generam foram base das discussões que mencionei que sempre chamaram a atenção para que o animalismo é uma doutrina ideológica contra o ambiente, a ecologia, e a natureza humanizada.
G.R.T., mesmo quando
atacado ferozmente por animalistas, defendeu a ruralidade, a vida do campo e a
sua continuidade.
Não consigo
compreender como esta questão, este dado objectivo demora tanto em aparecer na
discussão, ensarilhado em putativos e absurdos conceitos de espiritismo, de
bruxaria animal, e de dados freudianos e espiritistas na análise da vivência
animal.
Não se pode defender
o ambiente sem defender as nossas criações integradas devidamente neste. O
toiro não é, não pode ser, estabulado nem criado intensivamente. Ponto.
Comecei por referir a
minha etnia, sou dos irredutíveis, como coloquei na capa de um dos meus livros
monográfico sobre Barrancos. Nunca esquecerei dois momentos,
Um quando uma
dirigente de uma organização animalista, com quem tinha e tenho uma relação cordial
me disse nos anos 90 - António vamos iniciar uma grande campanha para acabar
com as toiradas e vamos começar pelo elo mais fraco, Barrancos. Julgo que ela
não sabia a minha origem, sabendo que eu contestava essa campanha, pensei-
vai-te sair o tiro pela culatra....
A estória da luta do povo de Barrancos está bem documentada, durante cerca de 10 anos fomos vítimas e também arautos de uma cultura. E recordo no, talvez, momento mais crítico, quando falei pessoalmente com o ministro da tutela, colega universitário que me garantiu que a força não iria intervir, com mortes, que poderiam ser muitas para evitar o fim inevitável do animal, para ser comido, e como G.R.T. que me protestou o seu apoio incondicional e pessoal, mas acrescentou -António a nossa tradição não é essa..mas compreendo muito bem Barrancos! Continuamos.
*Cumpre este ano o
centenário do nascimento do nosso mestre e ainda hoje louvado por tantos que
desprezam o seu pensamento, mas chorado e continuado por outros que procuram
dar vida ao seu legado. No dia 25 Maio, dia do centenário, estaremos atentos.
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