terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Contributos para a História de Barrancos XXII - os pastores e a tosquia (de José Peres Valério)

Segue, abaixo, mais um contributo para a história local, de José Peres Valério:

"Iniciando uma curta análise comparativa da quantidade de gado lanígero em Barrancos, pensa-se existir uma diferença abismal entre antes das décadas de 1960 ou 1970 e os nossos dias. Entre as variadíssimas espécies de animais que os pastores guardam, escolhi o gado lanígero para esta narrativa.

Naquele tempo, o grosso dos rebanhos de ovelhas estava nas mãos dos grandes senhorios, proprietários de imensas extensões de terras. Eram guardados por pastores que os patrões contratavam. Sem horário de trabalho, sem descanso, sem férias. Como o soldo era baixíssimo tinham, como contrapartida para reforçar o salário, um pigulhá de ovelhas. O que é? Acordo em que o patrão autorizava o pastor a juntar as suas ovelhas ao rebanho, desde que identificadas com uma marca. Era um número variável (±30 ou 40), conforme as cabeças que tinha. Além deste beneficio, tinham ainda as comedias (alimentos contratados) composta por 15/20 kg. de farinha, grão e 5l de azeite mensal). O acordo era válido por um ano, com início e término no S. Pedro, 29 de Junho. Nesta data, transferiam-se muitos pastores de um patrão para o outro, escolhendo aqueles que melhores condições ofereciam.        

Uns viviam em choças fixas, outros, menos sortudos, em choças móveis construídas com cancelas feitas numa estrutura com travessas laterais e ripas fixas a elas com palha de centeio, junco, giestas ou outros arbustos, apertada entre as ripas. Eram habitações primitivas de construção rudimentar que utilizavam de dia e noite resguardando-se das intempéries que os afugentavam, com 2 ou 4 cancelas, Estavam divididas, por norma, em duas áreas:  ao fundo zona de dormir, a restante, zona do lume para aquecimento, cozinhar e guardar os parcos artigos de cozinha e outros.  Utilizada quando fazia frio e chuva. Com o bom tempo era feita no lhano (espaço no exterior da choça). Todo o piso era em terra batida. Dormiam no chão sobre palha ou em cama improvisada com bancos ou outras estruturas que os protegessem. Trabalhavam dia e noite, atentos ao desenvolvimento do rebanho, não fosse adoecer ou extraviar-se alguma ovelha ou borrego com o aparecimento de lobos, raposas ou outros predadores. Como o patrão tinha vários terrenos, às vezes tinham de fazer a transumância dos rebanhos de propriedade em propriedade ou na própria e, “como o caracol”, levar a “casa às costas” (choças). Dias após dias, estas pessoas passavam o tempo calcorreando terreno, por montes e vales, numa solidão imensa, partilhando-a  com a natureza, ouvindo o piar da passarada e as vozes dos animais selvagens, atrás do gado com os seus inseparáveis companheiros: os cães. Tinham uma vida cheia de canseira, não estando tranquilos cinco minutos! Enquanto os patrões estavam descansados em casa. Uma vida dura! Um membro da família vinha ao povo de vez em quando buscar os avios (alimentos para algum tempo) porque o pastor tinha de ficar com o gado.

No ponto de vista económico, os ovinos geram mais rendimento, superior aos caprinos por exemplo, que, além da carne, leite e pele, comum a ambos, nos dão a lã. Há raças que dão maior quantidade e qualidade do que outras. Em Barrancos predominava a merina que, pastando pelos campos ora verdes, ora secos, se adaptava melhor aos terrenos agrestes do concelho. Hoje, existe um número acentuado deste gado disperso pelo concelho, de variadas raças, distribuído por vários residentes de diversas classes sociais. Motivados pelos subsídios concedidos pela Comunidade Europeia, aqueles que tenham um efetivo superior a dez ovelhas, recebem apoio às explorações. Para algumas destas pessoas, que não têm terras, contribui a existência de baldios. 

Como tudo na vida, cada animal tem a sua característica. Este gado na época invernosa usa o (sobretudo) para se resguardar do frio e chuva. Chegado o mês de Abril ou Maio de cada ano, o calor começa a apertar. Como os humanos, também os animais necessitam de andar mais frescos face ao calor exacerbado sentido nos campos do Alentejo, em especial em Barrancos, com elevadíssima temperatura. Para atenuar este efeito, os animais necessitam despir-se para andarem mais frescos. Os donos protegem-nos, reduzindo a temperatura corporal. De que forma?  TOSQUIANDO-OS.

A tosquia não se baseia apenas na retirada da lã dos ovinos para ser comercializada, mas também, como atrás se diz, para o conforto do animal.

Não obstante, ao tosquiar são retirados resíduos depositados na lã acumulados todo o ano. Casos há em que patrões os deixam durante o ano sem serem tosquiados,  dificultando a mobilidade do animal.

Como se faz?

Para se proceder à tosquia, o animal era atado nas patas facilitando o trabalho do tosquiador. Durante os meses entre Abril a Junho, os tosquiadores empenhados nesta atividade retiravam a lã dos animais, enrolavam e atavam os velos (rolos de lã). Esta lã tem várias aplicações. Entre elas a confeção de vestuário para o agasalhamento dos humanos. As pessoas com menos posse, usavam-na vulgarmente, lavada e cardada, nos colchões das camas. Desde tempos remotos, esta profissão transitava de pais para filhos. Eram trabalhadores rurais, que se ocupavam de vários trabalhos de campo anualmente, nas propriedades dos grandes agrários. E, neste período algum especializado nesta actividade interrompia outros trabalhos para se dedicar à tosquia.  Aqueles que tinham duas ou três (…) encontravam disponibilidade para as tosquiar quando vinham a casa descansar ao Domingo. Ou outros que se encontravam sem trabalho. Era uma profissão, nada fácil, um trabalho duro com aquela posição curvada em que tinham de estar horas e horas. Tinham uma enorme responsabilidade no manejo da tesoura não fosse ferir o animal. Feridas que muitas vezes originavam bicheiras com o aparecimento da mosca. Nos tempos que correm, está mais facilitado este trabalho em virtude de ser feito com máquinas elétricas e cintas de apoio em algumas explorações.

Boas colheitas de lã para a próxima safra

Barrancos, 2 de Fevereiro de 2022 - ass) José Peres Valério"

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