Segue, abaixo, mais um contributo para a história local, de José Peres Valério:
"Iniciando uma curta análise comparativa da quantidade de gado
lanígero em Barrancos, pensa-se existir uma diferença abismal entre antes das
décadas de 1960 ou 1970 e os nossos dias. Entre as variadíssimas espécies de
animais que os pastores guardam, escolhi o gado lanígero para esta narrativa.
Naquele tempo, o grosso dos rebanhos de ovelhas estava nas
mãos dos grandes senhorios, proprietários de imensas extensões de terras. Eram
guardados por pastores que os patrões contratavam. Sem horário de trabalho, sem
descanso, sem férias. Como o soldo era baixíssimo tinham, como contrapartida
para reforçar o salário, um pigulhá de
ovelhas. O que é? Acordo em que o patrão autorizava o pastor a juntar
as suas ovelhas ao rebanho, desde que identificadas com uma marca. Era um número
variável (±30 ou 40), conforme as cabeças que tinha. Além deste
beneficio, tinham ainda as comedias (alimentos
contratados) composta por 15/20 kg. de farinha, grão e 5l de azeite mensal). O
acordo era válido por um ano, com início e término no S. Pedro, 29 de Junho. Nesta
data, transferiam-se muitos pastores de um patrão para o outro, escolhendo
aqueles que melhores condições ofereciam.
Uns viviam em choças fixas, outros, menos sortudos, em choças
móveis construídas com cancelas feitas numa estrutura com travessas laterais e
ripas fixas a elas com palha de centeio, junco, giestas ou outros arbustos,
apertada entre as ripas. Eram habitações primitivas de construção rudimentar
que utilizavam de dia e noite resguardando-se das intempéries que os
afugentavam, com 2 ou 4 cancelas, Estavam divididas, por norma, em duas
áreas: ao fundo zona de dormir, a
restante, zona do lume para aquecimento, cozinhar e guardar os parcos artigos
de cozinha e outros. Utilizada quando
fazia frio e chuva. Com o bom tempo era feita no lhano (espaço no exterior da choça). Todo o piso era em terra
batida. Dormiam no chão sobre palha ou em cama improvisada com bancos ou outras
estruturas que os protegessem. Trabalhavam dia e noite, atentos ao
desenvolvimento do rebanho, não fosse adoecer ou extraviar-se alguma ovelha ou
borrego com o aparecimento de lobos, raposas ou outros predadores. Como o
patrão tinha vários terrenos, às vezes tinham de fazer a transumância dos
rebanhos de propriedade em propriedade ou na própria e, “como o caracol”, levar a “casa às costas” (choças). Dias
após dias, estas pessoas passavam o tempo calcorreando terreno, por montes e
vales, numa solidão imensa, partilhando-a
com a natureza, ouvindo o piar da passarada e as vozes dos animais
selvagens, atrás do gado com os seus inseparáveis companheiros: os cães. Tinham
uma vida cheia de canseira, não estando tranquilos cinco minutos! Enquanto os
patrões estavam descansados em casa. Uma vida dura! Um membro da família vinha
ao povo de vez em quando buscar os avios (alimentos para algum tempo) porque o
pastor tinha de ficar com o gado.
No ponto de vista económico, os ovinos geram mais rendimento,
superior aos caprinos por exemplo, que, além da carne, leite e pele, comum a
ambos, nos dão a lã. Há raças que dão maior quantidade e qualidade do que
outras. Em Barrancos predominava a merina
que, pastando pelos campos ora verdes, ora secos, se adaptava melhor aos
terrenos agrestes do concelho. Hoje, existe um número acentuado deste gado
disperso pelo concelho, de variadas raças, distribuído por vários residentes de
diversas classes sociais. Motivados pelos subsídios concedidos pela Comunidade
Europeia, aqueles que tenham um efetivo superior a dez ovelhas, recebem apoio
às explorações. Para algumas destas pessoas, que não têm terras, contribui a
existência de baldios.
Como tudo na vida, cada animal tem a sua característica. Este
gado na época invernosa usa o (sobretudo)
para se resguardar do frio e chuva. Chegado o mês de Abril ou Maio de cada ano,
o calor começa a apertar. Como os humanos, também os animais necessitam de
andar mais frescos face ao calor exacerbado sentido nos campos do Alentejo, em
especial em Barrancos, com elevadíssima temperatura. Para atenuar este efeito,
os animais necessitam despir-se para andarem mais frescos. Os donos
protegem-nos, reduzindo a temperatura corporal. De que forma? TOSQUIANDO-OS.
A tosquia não se baseia apenas na retirada da lã dos ovinos
para ser comercializada, mas também, como atrás se diz, para o conforto do
animal.
Não obstante, ao tosquiar são retirados resíduos depositados
na lã acumulados todo o ano. Casos há em que patrões os deixam durante o ano sem
serem tosquiados, dificultando a
mobilidade do animal.
Como se faz?
Para se proceder à tosquia, o animal era atado nas patas
facilitando o trabalho do tosquiador. Durante os meses entre Abril a Junho, os
tosquiadores empenhados nesta atividade retiravam a lã dos animais, enrolavam e
atavam os velos (rolos de lã). Esta lã tem várias aplicações. Entre elas a
confeção de vestuário para o agasalhamento dos humanos. As pessoas com menos
posse, usavam-na vulgarmente, lavada e cardada, nos colchões das camas. Desde
tempos remotos, esta profissão transitava de pais para filhos. Eram trabalhadores
rurais, que se ocupavam de vários trabalhos de campo anualmente, nas
propriedades dos grandes agrários. E, neste período algum especializado nesta
actividade interrompia outros trabalhos para se dedicar à tosquia. Aqueles que tinham duas ou três (…) encontravam
disponibilidade para as tosquiar quando vinham a casa descansar ao Domingo. Ou
outros que se encontravam sem trabalho. Era uma profissão, nada fácil, um trabalho
duro com aquela posição curvada em que tinham de estar horas e horas. Tinham
uma enorme responsabilidade no manejo da tesoura não fosse ferir o animal.
Feridas que muitas vezes originavam bicheiras com o aparecimento da mosca. Nos
tempos que correm, está mais facilitado este trabalho em virtude de ser feito
com máquinas elétricas e cintas de apoio em algumas explorações.
Boas colheitas de lã para a próxima safra
Barrancos, 2 de Fevereiro de 2022 - ass) José Peres Valério"
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