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"No passado dia 13 de Maio escrevi o texto sobre a Fêra em Barrancos. “Citei que, não era fácil escrever sobre a Fêra se observarmos a diversidade de acontecimentos que se arrasta desde o seu início”. Todavia achei por bem dar continuidade em alguma coisa que julgo ser útil.
A tabela abaixo mostra como evoluiu o número de habitantes em Barrancos de 1878 a 2017. Como se demonstra, houve um aumento acentuado até 1950 entrando em queda até 1970 e seguintes.
Ano |
População (Habitantes) |
|
1878 1950 1970 |
2386 3624 2610 |
|
Vêm
estes dados a propósito dos barranquenhos que viviam dia-a-dia em Barrancos,
diretamente ligados à fêra. Esta era do povo e mais ninguém, salvo alguns
vizinhos, de aldeias mais próximas Portugal e Espanha, que se deslocavam a
assistir a este evento. Porém, o êxodo verificado em fins da década de 1950
principio de 1960, citado no contributo XVIII, ditou a saída de um número bastante
acentuado de pessoas da nossa terra, que voltava anualmente para assistir à Fêra. A maioria dos aficionados do mundo
do touro, de outras paragens, não participava por não possuir meios de transporte,
nem capacidade económica, face a pobreza, que se fazia sentir em todo o país.
Era
uma festa discreta. Só a partir de fins de 1960 começa a haver notícias na
imprensa, pela pior circunstância. Todavia, o barranquenho sem esquecer as suas
raízes, com o sentimento que se apoderava dele nesta altura, deslocava-se como
podia e estava presente na sua/nossa Fêra.
Como
já narrei em outros artigos, a vida naquela altura não era fácil. Os únicos
dias de diversão que o ser humano tinha nesta terra eram: a Fêra
(a mais vivida) ; o Natal; o Carnaval; Páscoa; Romaria de Flores e pouco mais,
para expressar o desejo que lhe ia na alma. Sim, porque tinha que passar um ano
entre as Fêras para poder satisfazer
o apetite acumulado, fazendo esquecer
por um lapso de tempo, as agruras da vida passadas durante esse ano.
Para celebrar o dia 28 de Agosto, idosos,
menos idosos e juventude, de entre os mais desfavorecidos, iam fazendo um
mealheiro no decorrer do ano para, chegado este dia, se poderem apresentar
condignamente vestidos com indumentária nova à semelhança dos mais abastados. Como os
tempos eram difíceis, sem trabalho, deitavam
mãos a tudo que pudesse dar uns tostões para confraternizar com familiares e
amigos nos quatro dias citados. O período que antecedia a Fêra (meses de Julho
e Agosto), o alfaiate, Tio João Tereno, (residente na Praça do Município), suas
aprendizas e costureiras (aproximadamente 15), trabalhavam numa azafama constante
─ muitos dias até à meia-noite ─, para poderem
ter pronta as encomendas que os clientes faziam. Estas trabalhadoras,
aprendizas, não tinham vencimentos. Era o que se praticava na aprendizagem de qualquer oficio. As
costureiras ganhavam cinco escudos
por cada calça feita. Outras faziam estes trabalhos por conta própria.
Contudo, no pouco que havia para ver, mas muito para aquele tempo, o povo
expressava os seus anseios para os dias que se avizinhavam. Nestes dias, o
sossego não pairava na mente dos jovens
nem na de muitos dos mais idosos. Eram touros, bailes, confraternização entre
familiares e amigos com uns copos à mistura… dias após dias até o final das
festas. O barranquenho ausente, com a hospitalidade que o distingue, trazia amigos e
companheiros de trabalho de outras
paragens onde ganhava a vida. Para esses foram dias inesquecível. Quando partiam, já desejavam que
o tempo fosse breve para voltarem a estar presentes neste lugar acolhedor. Eram
dias sem ir à cama, imbuídos na farra
com que carateriza a nossa Fêra, da
hora do encerro, passando pelas corridas de touros e bailes, até ao dia
seguinte.
Todavia,
há pormenores que não se esquecem e nos remetem para aqueles tempos
nostálgicos. Quando as touradas terminavam, o povo tinha um único caminho a
seguir: o do Alto Sano. Sítio onde estavam centralizados os carroceis, circo,
barracas: de bugigangas, fotografias, comes e bebes. De manhã, Tia Brizida vendia os heringo na Praça do Município, que
neste momento está-me a chegar o cheiro agradável daqueles fritos! (cheiros de
fêra!). ─ Só que, infelizmente com este
inimigo camuflado, mais um ano
ficamos sem o cheiro agradável ─.
Também na Praça do Município os irmãos Perez vendiam torrão, barquilhos,
suspiros, grão torrado etc., muito
apreciado pela população. Durante o ano vendiam em casa e pelas ruas.
As
crianças, ao verem as barracas cheias de brinquedos, de vários géneros, entravam
em êxtase pedindo aos pais que lhes comprassem um. Numa barraca, uma criança
chorava porque queria um brinquedo. A mãe, com pena, lhe dizia: amanhã o
compro. Mas, doendo-lhe na alma, por ver o filho carpir daquela maneira, meteu
a mão no bolso e tirou um saquinho de pano onde trazia os magros tostões. Deitou
contas à vida ─ não chegava para adquirir alguns alimentos que tinha em mente ─
mas resolveu comprar-lhe um dos mais
barato: uma roda em madeira, com um boneco a pedalar. Uma chapa sonorizava o
brinquedo enquanto a criança o empurrava. Deu-lhe uma alegria esfusiante,
aquele mimo da mãe. Noutro lado, certamente, ficou a falta! Os pais dos mais
abastados compravam outros brinquedos mais
caros.
A Rua
de S. Sebastião ─ da Praça do Município ao Alto Sano ─, àquela hora, era um mar
de gente. As tabernas de Tio Zé Burgos, Tio João Laranjinha e, no largo, Tia
Vitória, atenuavam o calor abrasador vivido durante as touradas, com bebidas (a
temperatura natural, pois não tinham frigorífico
nas décadas de 1950/60). Era um alívio para os mais ávidos, mesmo sem estarem
frescas.
Entretanto,
Tio Zé Luís Alcario percorria a praça com umas grades de pirolito, gasosas,
laranjadas, etc. vendendo e matando a sede aos mais aflitos. Em anos mais
recuado, Tio Minhique (alcunha) transitava pela praça cedendo, ─ por umas
dezenas de centavos ─, um quartilho de água e assim arrecadavam uns tostões
para fazer face ao orçamento familiar.
Porém,
à parte da história narrada, aproveito para expor o seguinte:
Nos
dias de hoje, nada do que se passava no largo existe. Não temos um só espaço
para todas essas diversões, incluindo barracas de comes e bebes, que estão
dispersas. Uma barraca de bijutarias na rua próximo ao mercado, outra na
estrada junto ao jardim público, outra em Montes Claros, etc. Os investidores,
por muita vontade que tenham em vir dinamizar a nossa Fêra e fazerem o seu negócio, podem
perder o desejo à nascença.
Como
as autárquicas estão ao virar da esquina, daqui faço um apelo à futura Câmara,
se julgar por bem: criar condições para que esta lacuna seja colmatada para o bem da festa e de Barrancos.
Gostaria
de terminar esta descrição com o desejo de uma Fêra bem passada e cheia de diversões. Mas a peste, que teima em
massacrar-nos, não nos permite, mais uma vez, gozar esta festa que herdamos de nossos
antepassados.
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