quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Cadernos de Campos, que amanhã é apresentado em Barrancos - um pouco do seu autor

capa do livro
O livro "Cadernos de Campo - apontamentos sobre a caça e conservação da natureza", vai ser apresentado em Barrancos, na Casa das Associações, amanhã, sexta-feira, dia 8, às 18 horas. 
Para conhecer melhor o seu autor, Mário Almeida, aqui fica uma excerto da entrevista concedida ao Diário do Alentejo:
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Mário Francisco Mendes Fialho de Almeida, nasceu em Santo Aleixo da Restauração, Moura, há 52 anos, casado com  uma barranquenha, Pura Pica, tem dois filhos. Licenciado em História, pela Universidade Lusíada, em Lisboa, professor das disciplinas de Português, História e Geografia de Portugal, no Agrupamento de Escolas  de Amareleja, onde é coordenador do Departamento de Ciências Sociais e Humanas. Ao longo da sua carreira profissional tem desempenhado cargos ligados à administração e gestão escolar.
Em largos períodos tem exercido funções como formador externo, em diversas instituições, como o Instituto do Emprego e Formação Profissional; Sociedade Promotora de Formação Lda; Rota do Guadiana e Escolas Oficina, em diversas áreas do saber ligadas à sua formação científica.
Na opinião de João Mário Caldeira, que prefaciou o livro “Cadernos de Campo” “Ganhou-lhe afeição desde pequeno, contagiado por uma família de caçadores, entre os quais o pai, que foi distinto praticante, mas também porque cresceu num esplendoroso local de vida selvagem. Deu os primeiros passos aí, entre os bichos, as estevas, local privilegiado onde à noite canta a zorra. Ficou tocado para sempre. Apanhado. Vê-lo mais tarde de espingarda ao ombro, já apartado do local de origem, não foi coisa de estranhar. Sempre fora caçador.”  
(...)
DA - O seu percurso ligado à caça
Mário Almeida (MA) - O meu percurso ligado à caça, a minha chegada a  “essa paixão, a que apenas só alguns têm a sorte de sentir”, deu-se pela via familiar e o ambiente rural a que, felizmente, quase sempre pertenci.
Nos primeiros anos de vida, por influência paterna e, nas últimas  décadas, pelo convívio e ensinamentos de meu irmão José Manuel, mais um punhado de amigos.
Na caça menor, gosto de caçar espécies de pêlo e pena, sedentárias ou migratórias, com especial preferência pelo tiro ao voo.
Aprecio muito a caça ao coelho, à lebre, mas nada se compara com o cobro de uma perdiz selvagem, de salto ou de batida. Adoro uma boa caçada às rolas, aos tordos, no entanto, uma jornada de torcazes, com negaça, é incomparável.
Em relação à caça maior, em grande expansão no nosso país, aprecio o javali, o veado e o muflão. Gosto de todas estas espécies. De todas as suas modalidades: batida, montaria, aproximações e esperas. Gosto muito de montarias mistas, aproximação ao muflão (muito difícil em zonas de caça abertas) e, durante a brama, ao veado.
Talvez a minha maior preferência vá para uma espera aos javalis. Se possível, ser eu a localizar e a alimentar o cevadouro, diariamente.
Não é por acaso que esse suíno selvagem figura na capa de Cadernos de Campo, numa magnífica ilustração do meu amigo Joaquim Espadaneira, com recortes gráficos da Raquel Ferreira, das Edições Colibri.
No âmbito da gestão cinegética, até ao momento, fiz parte de diversos órgãos sociais nas Associações de Caçadores de Barrancos e Santo Aleixo da Restauração.
Também fiz parte do Conselho de Administração da Herdade da Contenda e do Conselho Técnico e Científico da mesma instituição.
Neste momento sou colaborador na administração e gestão cinegética de diversas Zonas de Caça Turísticas na área geográfica de Santo Aleixo da Restauração.
Desde há alguns anos, colaboro, assiduamente, nas Revistas Caça & Cães de Caça e Caça Maior e Safaris, onde tenho escrito sobre as principais espécies cinegéticas e modalidades venatórias da Península Ibérica onde tenho dado a conhecer técnicas ancestrais de caçar, como a caça ao pombo torcaz com negaças vivas, próprias da margem esquerda do Guadiana.
DA: Gostaria de nos apresentar este seu livro?
MA - No dia 10 de outubro, na Sociedade Recreativa de Santo Aleixo da Restauração, decorreu a cerimónia de lançamento do livro “Cadernos de Campo – Apontamentos sobre Caça e Conservação da Natureza” que contou com a apresentação do Dr. João Mário Caldeira e do Dr. António Eloy.
Esta é uma obra que desmistifica o preconceito em relação aos caçadores, primeiros responsáveis pela conservação da natureza e biodiversidade. Ao longo das páginas do livro alerto, constantemente, para o facto de a caça sustentável constituir uma das múltiplas formas de defesa do ambiente.
Em “Cadernos de Campo” o leitor poderá encontrar um pouco de tudo. A minha tentativa de escrever e expressar o mais fielmente possível os meus sentimentos acerca de uma atividade a que não sou indiferente – a caça – mas também a preocupação com a sobrevivência, quiçá, a melhoria dos ecossistemas. Nesse sentido, quem o  lê poderá  interiorizar alguns recados pedagógicos, acerca das boas práticas que devem ser   divulgadas sobre um espaço comum que devemos partilhar – o campo – onde vivem animais fantásticos,  assim como o Homem.
Para além desse pejo de alertar as novas gerações, penso que este livro pode, também, ser importante pelo facto de conter um Glossário de termos cinegético, alguns deles pouco utilizados, em algumas das regiões do nosso país. Também inclui uma Bibliografia que remete para leituras importantíssimas, sobre práticas venatórias e a biologia de muitas espécies cinegéticas.
DA: A caça é unicamente uma atividade lúdica, ou contribui também ela para a promoção da conservação e equilíbrio da natureza?
MA - A caça é muito mais do que uma atividade lúdica. É, na verdade, para quem a pratica de forma responsável,  um  elemento promotor de bem estar físico e psicológico. Uma atividade ancestral onde se revelam aptidões mas, ao mesmo tempo, personalidades.
Hoje em dia, em Portugal e um pouco por quase todo o mundo civilizado, a caça é uma atividade geradora de enormes receitas financeiras. Numa zona de caça, quer seja Nacional, Turística, Associativa ou Municipal, durante todo o ano existe um trabalho exigente e meticuloso. O regime cinegético ordenado fomenta a criação de muitos postos de trabalho, da cultura de alguns cereais de sequeiro, do redimensionamento de pontos e cursos de água, da melhoria de habitações rurais, da gestão do nosso património florestal, da promoção dos produtos endógenos, entre outros. Em suma, uma alavanca geradora de bens de consumo, em proveito de uma larga franja de pessoas, muitas delas residentes nos meios rurais.
Penso que a caça tem tido uma grande contribuição para a conservação e equilíbrio da natureza. O caçador, cada vez mais, tende para ser um ator responsável. Nos diversos tipos de zonas de caça há planos de exploração, daí haver a necessidade de assegurar a quantidade de efetivos suficientes para o ano seguinte e evitar a delapidação do património cinegético existente na região. Para isso existem censos populacionais que devem ser analisados de forma criteriosa.
Não há dúvidas que o principal interessado em que existam espécies cinegéticas em abundância é o caçador.
Ora, esta mentalidade leva a que essa abundância de determinadas espécies cinegéticas permita que outras espécies predadoras destas tenham alimento e se fixem numa determinada região. A isto considera-se uma pirâmide ecológica equilibrada. Na região de Santo Aleixo da Restauração, concelho de Moura,  existe uma série de propriedades rurais onde se podem observar algumas espécies muito raras: Abutres- negros; Cegonhas-pretas; Águia Reais; Águia Imperiais ibéricas, entre outros, e essas são das melhores zonas de caça de Portugal. São estes animais que ajudam a identificar o valor da cadeia trófica e o património de um determinado ecossistema.
Mas, o caçador é já o Homem que se preocupa em não deixar marcas menos positivas onde pensa voltar muitas mais vezes. Se possível, recolhe o lixo que encontra no campo, o cartucho que outrém se esqueceu de apanhar, respeita aquilo que é pertença de alguém e não dispara sobre espécies protegidas por lei.
DA: É frequente ouvir, sobretudo às pessoas mais velhas, que já não há caça como dantes havia. Há de facto uma diminuição significativa de recursos cinegéticos no Alentejo? 
MA - Dizem que sim. Sobretudo as pessoas mais velhas, habituadas a ver fervilhar de caça o nosso querido Alentejo. A idade permite fazer essa comparação. O tempo também já me faz dizer que há mais de 40 anos havia muita caça nos nossos campos. Nesse tempo, um pouco antes de 1974, na verdade, havia abundância de caça menor. Sedentária como coelhos, lebres e perdiz-vermelha e migratória como pombo-torcaz, rola-comum e tordo.
 Na verdade, existe uma significativa redução das populações das espécies anteriormente referidas. Os motivos são conhecidos e enquadram-se em fatores de vária ordem: redução drástica das culturas de sequeiro, que alimentavam muitas dessas espécies; abandono de muitas zonas rurais; aumento dos produtos químicos utilizados nalgumas práticas agrícolas, entre elas a olivicultura, prejudicando a biodiversidade em largas regiões; proliferação de doenças nalgumas espécies, como no coelho e na lebre, sem resolução à vista, pelo menos em Portugal; melhores estradas e viaturas para as pessoas se deslocarem para as zonas de maior propensão venatória; melhorias no equipamento venatório. A redução dos efetivos das espécies cinegéticas que migram, também tem a ver com fatores de ordem internacional e que, apenas, conjuntamente com outros países e continentes, poderiam ser resolvidos.
Nos tempos atuais, com a possibilidade de se realizarem caçadas nas diversas formas de regime ordenado, existe alguma possibilidade de colmatar a evidente redução de efetivos cinegéticos.
Mas, nem tudo é negativo.
A Caça maior, em Portugal, atinge densidades populacionais nunca antes vistas, pelo menos no último século. Possivelmente, hoje em dia, não haverá memória viva que nos possa relatar as célebres montarias dos últimos monarcas do reino de Portugal. Nas quais muita pouca gente poderia participar como caçador.
Atualmente, o javali apresenta uma larga dispersão de território, ao ponto de colonizar latitudes atlânticas e de se poder encontrar muito perto dos povoados e cidades de média dimensão. O veado (venatum), símbolo de toda a saga venatória, outrora impensável de ser caçado pelo cidadão comum, está hoje muito acessível a sua caça, uma vez que as suas populações estão em franca expansão, por vezes com necessidade de serem controladas, como é o caso de alguns coutos na minha região.
Embora quase totalmente confinadas a zonas de caça vedadas com malha cinegética, espécies como o muflão e o gamo podem satisfazer o gosto de caçadores colecionadores destes troféus.
Do meu ponto de vista, tudo está em mudança. Não acredito que voltemos aos tempos áureos  da caça menor, nas décadas de 50 e 60, uma vez que a realidade é outra. Poder-se-ia melhorar, apostando na investigação científica e prática no terreno, melhorar e aumentar as práticas agrícolas e também a redução da caça maior, uma vez que ambas não são muito compatíveis. Mas temos que ter esperança no futuro e nas pessoas.
DA: Qual a importância da caça, enquanto produto turístico, para o Alentejo?
MA - A caça é um produto turístico de excelência. É, mas ainda deve   ser promovido com maior acutilância. Sobretudo no Alentejo, uma vez que se trata de uma região com evidentes carências económicas e, por isso, não pode desprezar tão importante recurso.
Lembre-se que há, em Portugal, algumas propriedades rurais com a distinção de melhores propriedades da Europa, onde a componente cinegética tem um peso enormíssimo, sempre em conjugação com a biodiversidade.
As zonas de caça, nomeadamente, turísticas tendem a agrupar-se e existem organismos, entre eles a Associação Nacional de Produtores de Caça e Proprietários Rurais que fomenta o desenvolvimento dos seus associados. Um produto qualificado como a caça tem, necessariamente, que ser divulgado e apoiado. Nesse sentido, penso que o organismo que tutela o Turismo do Alentejo está a fazer um bom trabalho, promovendo a caça e os produtos associados ao meio rural, em articulação com organismos ligados ao sector da caça, entre eles o Clube Português de Monteiros. Também algumas autarquias estão bastante empenhadas em promover os recursos cinegéticos dos seus concelhos, como as Câmaras Municipais de Mértola, Odemira, Sousel e Moura, entre outras.
Acredito que o futuro da região possa estar associado a um pacote turístico mais alargado, incluindo grandes extensões territoriais, podendo-se estender para lá da Península Ibérica. Sendo a atividade cinegética um elemento de ligação entre outras. Ao aproveitamento silvo-pastoril, ao birdwatching (observação de aves) e ao darksky (observação astronómica), pode e deve unir-se a exploração cinegética, sempre que o público alvo assim o entenda.  Por exemplo, vive no castelo de Noudar, em Barrancos, uma jóia ornitológica, o Chasco Preto. Uma pequena ave, raríssima, que se muitos ornitólogos estrangeiros soubessem da existência desta pequena colónia não hesitariam em visitar-nos. Isto é ciência, turismo e desenvolvimento.
sessão de autógrafos em Santo Aleixo Restauração, 10-10-2015
Chasco preto. F: MA 2015

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