capa do livro |
O livro "Cadernos de Campo - apontamentos sobre a caça e conservação da natureza", vai ser apresentado em Barrancos, na Casa das Associações, amanhã, sexta-feira, dia 8, às 18 horas.
Para conhecer melhor o seu autor, Mário Almeida, aqui fica uma excerto da entrevista concedida ao Diário do Alentejo:
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Para conhecer melhor o seu autor, Mário Almeida, aqui fica uma excerto da entrevista concedida ao Diário do Alentejo:
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Mário Francisco Mendes Fialho de Almeida, nasceu em Santo Aleixo da Restauração, Moura, há 52 anos, casado com uma barranquenha, Pura Pica, tem dois filhos. Licenciado em História, pela
Universidade Lusíada, em Lisboa, professor das disciplinas de Português, História e Geografia de
Portugal, no Agrupamento de Escolas de
Amareleja, onde é coordenador do Departamento de Ciências Sociais e Humanas. Ao longo da sua carreira profissional tem
desempenhado cargos ligados à administração e gestão escolar.
Em largos períodos tem exercido funções como formador externo, em diversas instituições, como o Instituto do Emprego e
Formação Profissional; Sociedade Promotora de Formação Lda; Rota do Guadiana e
Escolas Oficina, em diversas áreas do saber ligadas à sua formação científica.
Na opinião de João Mário Caldeira, que prefaciou o livro “Cadernos de Campo” “Ganhou-lhe afeição desde pequeno, contagiado por uma família de caçadores, entre os quais o pai, que foi distinto praticante, mas também porque cresceu num esplendoroso local de vida selvagem. Deu os primeiros passos aí, entre os bichos, as estevas, local privilegiado onde à noite canta a zorra. Ficou tocado para sempre. Apanhado. Vê-lo mais tarde de espingarda ao ombro, já apartado do local de origem, não foi coisa de estranhar. Sempre fora caçador.”
Na opinião de João Mário Caldeira, que prefaciou o livro “Cadernos de Campo” “Ganhou-lhe afeição desde pequeno, contagiado por uma família de caçadores, entre os quais o pai, que foi distinto praticante, mas também porque cresceu num esplendoroso local de vida selvagem. Deu os primeiros passos aí, entre os bichos, as estevas, local privilegiado onde à noite canta a zorra. Ficou tocado para sempre. Apanhado. Vê-lo mais tarde de espingarda ao ombro, já apartado do local de origem, não foi coisa de estranhar. Sempre fora caçador.”
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DA - O seu percurso
ligado à caça
Mário Almeida (MA) - O meu percurso ligado à caça, a
minha chegada a “essa paixão, a que
apenas só alguns têm a sorte de sentir”, deu-se pela via familiar e o
ambiente rural a que, felizmente, quase sempre pertenci.
Nos primeiros anos de vida, por influência
paterna e, nas últimas décadas, pelo
convívio e ensinamentos de meu irmão José Manuel, mais um punhado de amigos.
Na caça menor, gosto de caçar espécies de pêlo e pena, sedentárias ou migratórias, com especial preferência pelo tiro ao voo.
Na caça menor, gosto de caçar espécies de pêlo e pena, sedentárias ou migratórias, com especial preferência pelo tiro ao voo.
Aprecio muito a caça ao coelho, à lebre, mas nada se compara com o cobro
de uma perdiz selvagem, de salto ou de batida. Adoro uma boa caçada às rolas,
aos tordos, no entanto, uma jornada de torcazes, com negaça, é incomparável.
Em relação à caça maior, em grande expansão no nosso país, aprecio o
javali, o veado e o muflão. Gosto de todas estas espécies. De todas as suas
modalidades: batida, montaria, aproximações e esperas. Gosto muito de montarias
mistas, aproximação ao muflão (muito difícil em zonas de caça abertas) e,
durante a brama, ao veado.
Talvez a minha maior preferência vá para uma espera aos javalis. Se
possível, ser eu a localizar e a alimentar o cevadouro, diariamente.
Não é por acaso que esse suíno selvagem figura na capa de Cadernos de
Campo, numa magnífica ilustração do meu amigo Joaquim Espadaneira, com recortes
gráficos da Raquel Ferreira, das Edições Colibri.
No âmbito da gestão cinegética, até ao
momento, fiz parte de diversos órgãos sociais nas Associações de Caçadores de
Barrancos e Santo Aleixo da Restauração.
Também fiz parte do Conselho de
Administração da Herdade da Contenda e do Conselho Técnico e Científico da
mesma instituição.
Neste momento sou colaborador na
administração e gestão cinegética de diversas Zonas de Caça Turísticas na área
geográfica de Santo Aleixo da Restauração.
Desde há alguns anos, colaboro, assiduamente,
nas Revistas Caça & Cães de Caça e Caça Maior e Safaris, onde tenho escrito
sobre as principais espécies cinegéticas e modalidades venatórias da Península
Ibérica onde tenho dado a conhecer técnicas ancestrais de caçar, como a caça ao
pombo torcaz com negaças vivas, próprias da margem esquerda do Guadiana.
DA: Gostaria de nos
apresentar este seu livro?
MA - No dia 10 de outubro, na Sociedade Recreativa de Santo Aleixo da
Restauração, decorreu a cerimónia de lançamento do livro “Cadernos de Campo
– Apontamentos sobre Caça e Conservação da Natureza” que contou com a
apresentação do Dr. João Mário Caldeira e do Dr. António Eloy.
Esta é uma obra que desmistifica o
preconceito em relação aos caçadores, primeiros responsáveis pela conservação
da natureza e biodiversidade. Ao longo das páginas do livro alerto,
constantemente, para o facto de a caça sustentável constituir uma das múltiplas
formas de defesa do ambiente.
Em “Cadernos de Campo” o leitor poderá encontrar um pouco de
tudo. A minha tentativa de escrever e expressar o mais fielmente possível os
meus sentimentos acerca de uma atividade a que não sou indiferente – a caça –
mas também a preocupação com a sobrevivência, quiçá, a melhoria dos
ecossistemas. Nesse sentido, quem o lê
poderá interiorizar alguns recados
pedagógicos, acerca das boas práticas que devem ser divulgadas sobre um espaço comum que devemos
partilhar – o campo – onde vivem animais fantásticos, assim como o Homem.
Para
além desse pejo de alertar as novas gerações, penso que este livro pode,
também, ser importante pelo facto de conter um Glossário de termos cinegético,
alguns deles pouco utilizados, em algumas das regiões do nosso país. Também
inclui uma Bibliografia que remete para leituras importantíssimas, sobre
práticas venatórias e a biologia de muitas espécies cinegéticas.
DA: A caça é unicamente
uma atividade lúdica, ou contribui também ela para a promoção da conservação e
equilíbrio da natureza?
MA - A caça é muito mais do que uma atividade
lúdica. É, na verdade, para quem a
pratica de forma responsável, um elemento promotor de bem estar físico e
psicológico. Uma atividade ancestral onde se revelam aptidões mas, ao mesmo
tempo, personalidades.
Hoje em dia, em Portugal e um
pouco por quase todo o mundo civilizado, a caça é uma atividade geradora de
enormes receitas financeiras. Numa zona de caça, quer seja Nacional, Turística,
Associativa ou Municipal, durante todo o ano existe um trabalho exigente e
meticuloso. O regime cinegético ordenado fomenta a criação de muitos postos de trabalho,
da cultura de alguns cereais de sequeiro, do redimensionamento de pontos e
cursos de água, da melhoria de habitações rurais, da gestão do nosso património
florestal, da promoção dos produtos endógenos, entre outros. Em suma, uma
alavanca geradora de bens de consumo, em proveito de uma larga franja de
pessoas, muitas delas residentes nos meios rurais.
Penso que a caça tem tido uma
grande contribuição para a conservação e equilíbrio da natureza. O caçador,
cada vez mais, tende para ser um ator responsável. Nos diversos tipos de zonas
de caça há planos de exploração, daí haver a necessidade de assegurar a
quantidade de efetivos suficientes para o ano seguinte e evitar a delapidação
do património cinegético existente na região. Para isso existem censos
populacionais que devem ser analisados de forma criteriosa.
Não há dúvidas que o principal
interessado em que existam espécies cinegéticas em abundância é o caçador.
Ora, esta mentalidade leva a que
essa abundância de determinadas espécies cinegéticas permita que outras
espécies predadoras destas tenham alimento e se fixem numa determinada região.
A isto considera-se uma pirâmide ecológica equilibrada. Na região de Santo
Aleixo da Restauração, concelho de Moura,
existe uma série de propriedades rurais onde se podem observar algumas
espécies muito raras: Abutres- negros; Cegonhas-pretas; Águia Reais; Águia
Imperiais ibéricas, entre outros, e essas são das melhores zonas de caça de
Portugal. São estes animais que ajudam a identificar o valor da cadeia trófica
e o património de um determinado ecossistema.
Mas, o caçador é já o Homem
que se preocupa em não deixar marcas menos positivas onde pensa voltar muitas
mais vezes. Se possível, recolhe o lixo que encontra no campo, o cartucho que
outrém se esqueceu de apanhar, respeita aquilo que é pertença de alguém e não
dispara sobre espécies protegidas por lei.
DA: É frequente ouvir,
sobretudo às pessoas mais velhas, que já não há caça como dantes havia. Há de
facto uma diminuição significativa de recursos cinegéticos no Alentejo?
MA - Dizem que sim. Sobretudo as pessoas mais
velhas, habituadas a ver fervilhar de caça o nosso querido Alentejo. A idade
permite fazer essa comparação. O tempo também já me faz dizer que há mais de 40
anos havia muita caça nos nossos campos. Nesse tempo, um pouco antes de 1974,
na verdade, havia abundância de caça menor. Sedentária como coelhos, lebres e
perdiz-vermelha e migratória como pombo-torcaz, rola-comum e tordo.
Na verdade, existe uma significativa
redução das populações das espécies anteriormente referidas. Os motivos são
conhecidos e enquadram-se em fatores de vária ordem: redução drástica das
culturas de sequeiro, que alimentavam muitas dessas espécies; abandono de
muitas zonas rurais; aumento dos produtos químicos utilizados nalgumas práticas
agrícolas, entre elas a olivicultura, prejudicando a biodiversidade em largas
regiões; proliferação de doenças nalgumas espécies, como no coelho e na lebre,
sem resolução à vista, pelo menos em Portugal; melhores estradas e viaturas
para as pessoas se deslocarem para as zonas de maior propensão venatória; melhorias
no equipamento venatório. A redução dos efetivos das espécies cinegéticas que
migram, também tem a ver com fatores de ordem internacional e que, apenas,
conjuntamente com outros países e continentes, poderiam ser resolvidos.
Nos tempos atuais, com a possibilidade de se
realizarem caçadas nas diversas formas de regime ordenado, existe alguma
possibilidade de colmatar a evidente redução de efetivos cinegéticos.
Mas, nem tudo é negativo.
A Caça maior, em Portugal, atinge
densidades populacionais nunca antes vistas, pelo menos no último século.
Possivelmente, hoje em dia, não haverá memória viva que nos possa relatar as
célebres montarias dos últimos monarcas do reino de Portugal. Nas quais muita
pouca gente poderia participar como caçador.
Atualmente, o javali apresenta uma larga dispersão
de território, ao ponto de colonizar latitudes atlânticas e de se poder
encontrar muito perto dos povoados e cidades de média dimensão. O veado (venatum),
símbolo de toda a saga venatória, outrora impensável de ser caçado pelo
cidadão comum, está hoje muito acessível a sua caça, uma vez que as suas
populações estão em franca expansão, por vezes com necessidade de serem
controladas, como é o caso de alguns coutos na minha região.
Embora quase totalmente confinadas a zonas
de caça vedadas com malha cinegética, espécies como o muflão e o gamo podem
satisfazer o gosto de caçadores colecionadores destes troféus.
Do meu ponto de vista, tudo está em
mudança. Não acredito que voltemos aos tempos áureos da caça menor, nas décadas de 50 e 60, uma vez
que a realidade é outra. Poder-se-ia melhorar, apostando na investigação científica e prática no terreno,
melhorar e aumentar as práticas agrícolas e também a redução da caça maior, uma
vez que ambas não são muito compatíveis. Mas temos que ter esperança no futuro
e nas pessoas.
DA: Qual a importância da
caça, enquanto produto turístico, para o Alentejo?
MA - A caça é um produto turístico
de excelência. É, mas ainda deve ser
promovido com maior acutilância. Sobretudo no Alentejo, uma vez que se trata de
uma região com evidentes carências económicas e, por isso, não pode desprezar
tão importante recurso.
Lembre-se que há, em Portugal,
algumas propriedades rurais com a distinção de melhores propriedades da Europa,
onde a componente cinegética tem um peso enormíssimo, sempre em conjugação com
a biodiversidade.
As zonas de caça,
nomeadamente, turísticas tendem a agrupar-se e existem organismos, entre eles a
Associação Nacional de Produtores de Caça e Proprietários Rurais que fomenta o
desenvolvimento dos seus associados. Um produto qualificado como a caça tem,
necessariamente, que ser divulgado e apoiado. Nesse sentido, penso que o organismo
que tutela o Turismo do Alentejo está a fazer um bom trabalho, promovendo a
caça e os produtos associados ao meio rural, em articulação com organismos
ligados ao sector da caça, entre eles o Clube Português de Monteiros. Também
algumas autarquias estão bastante empenhadas em promover os recursos
cinegéticos dos seus concelhos, como as Câmaras Municipais de Mértola, Odemira,
Sousel e Moura, entre outras.
Acredito que o futuro da região possa estar associado a um pacote turístico mais alargado, incluindo grandes extensões territoriais, podendo-se
estender para lá da Península Ibérica. Sendo a atividade cinegética um elemento
de ligação entre outras. Ao aproveitamento silvo-pastoril, ao birdwatching (observação de aves) e ao darksky (observação astronómica), pode e
deve unir-se a exploração cinegética, sempre que o público alvo assim o entenda. Por exemplo, vive no castelo de Noudar, em Barrancos, uma
jóia ornitológica, o Chasco Preto.
Uma pequena ave, raríssima, que se muitos ornitólogos estrangeiros soubessem da
existência desta pequena colónia não hesitariam em visitar-nos. Isto é ciência,
turismo e desenvolvimento.
sessão de autógrafos em Santo Aleixo Restauração, 10-10-2015
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Chasco preto. F: MA 2015 |
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