“Quando alegadamente o dr. Miguel Sousa Tavares resolveu
injuriar o dr. Cavaco, o caso não pôs qualquer dificuldade. A injúria (ainda
por provar) vinha num jornal diário, toda gente conhecia o homem e onde ele
morava: a Procuradoria-Geral da República não precisou de se esforçar. Além
disso, é compreensível que o dr. Miguel Sousa Tavares, sendo uma figura com
influência, irritasse Belém. Mas de qualquer maneira o escândalo que o
Presidente insistiu em fazer à volta do episódio só o prejudica a ele. A má fama
na política não passa com processos judiciais, passa, quando passa, com
política. Nem Eanes, nem Soares, nem Sampaio lançaram a Procuradoria às canelas
de ninguém e foram insultados como o dr. Cavaco nunca, que me lembre, o foi. A
vida pública, com a sua ambiguidade e aspereza, não se parece nada com a aula
catedrática, que o nosso ilustríssimo chefe e professor imagina no seu
incurável provincianismo.
Isto de si já é lamentável. Infelizmente, no "Dia de Portugal" em
Elvas, um cidadão vulgar, Carlos Costal, dirigiu ao dr. Cavaco algumas palavras
pouco amáveis, que dois polícias, como antigamente a PIDE "à paisana",
ouviram e prenderam o sr. Costal, que, sumariamente julgado, teve de pagar 1300
euros. Sucede que, entretanto, 2000 portugueses vaiavam o dr. Cavaco e outros,
sem se esconder, comunicavam à televisão a sua opinião sobre o Presidente,
aplaudidos por umas dúzias de manifestantes. Qual são as lições desta história?
Primeiro, que voltou uma espécie de PIDE encarregada de espiar e castigar os
descontentes. Segundo, que, de acordo com o ditado inglês, a segurança está no
número. Se o sr. Costal andasse num grupo da CGTP, nenhum agente lhe tocaria:
indefeso, com a mulher e os filhos, acabou na cadeia.
Segundo o Código Penal, o dr. Cavaco podia, se quisesse, desistir da queixa. Mas, se por acaso o informaram do incidente, não desistiu. Seja como for, a Presidência mandou uma mensagem importante a cada um de nós: "Protestar isolada e pessoalmente é perigoso; para me insultar, um indivíduo prudente deve ir no meio de uma grande multidão, que a polícia, fardada e à paisana, não se atreverá a incomodar. Ou, mais claramente, o protesto individual custa caro, o protesto colectivo garante a impunidade dos manifestantes". Calculo que o dr. Cavaco não pretendia promover esta conclusão. Acontece que eloquentemente a promoveu. E talvez venha, tarde ou cedo, a pagar a conta.’
* título do eB. in Vasco Pulido Valente, Lição de coisas [hoje
no Público], citado no blogue Câmara Corporativa
Adenda:
Entretanto, a PGR requereu a "declaração de nulidade" do julgamento do
Tribunal de Elvas, em processo sumário, pelo crime de "ofensa à honra do
Presidente da República, que levou à condenação de um jovem de 25 anos, Carlos
Costal.
Em nota à comunicação social, a Procuradoria-Geral da República justifica a
decisão por "não ser admissível", no caso deste crime, o uso do "processo
sumário", tal como estabelece o artigo 381.º, n.º2 do Código do Processo Penal.
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