sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Guerra do Ultramar - 50 anos. Barrancos ainda se lembra?

Cumprem-se hoje, sexta-feira, 4 de Fevereiro, 50 anos da Revolta em Luanda, com ataques à Casa de Reclusão, ao quartel da PSP e à Emissora Oficial de Angola, acção considerada como o início da luta armada em Angola e da Guerra do Ultramar.
Trinta e sete anos depois do fim da Guerra, um milhão de soldados recrutados, cerca de 10 mil mortos e 30 mil feridos, o país contínua sem saber ao certo quantos antigos combatentes ainda vivem com doenças psicológicas ou limitados com doenças e ferimentos físicos.
Como praticamente em todas as terras Barrancos também chorou os seus soldados, mortos na guerra colonial, que o estado de Barrancos  agora recorda e simbolicamente lhes presta homenagem, extensiva a todos aqueles barranquenhos que prestaram serviço militar no ex-ultramar português.
 (Nome/idade, posto/ local e data da morte/local onde se encontra sepultado*)
António Maria Gomes Rodrigues, soldado condutor, Angola, em 10/08/1971, sepultado em Monte da Caparica;
António Pica Marques, 22 anos, soldado de cavalaria, Moçambique, em 21/06/1969, sepultado em Barrancos;
Aquilino Martins Segão, soldado condutor, Angola, em 18/05/1970, sepultado em Moura;
Francisco Bergano Oliveira, 21 anos, soldado atirador, Angola, em 04/11/1961, sepultado em Barrancos;
Manuel Silvestre Alves Abade, soldado de infantaria, Moçambique, em 27/01/1966, sepultado no cemitério de Vila Cabral, Moçambique.
Talhão dos Combatentes - Cemitério Público de Barrancos
*Fonte: www.ligacombatentes.org.pt/mortos_no_ultramar  

7 comentários:

Maria galhoz disse...

No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
Duas, de lado a lado,
Jaz morto, e arrefece.

Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»

Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe

Triste memória de um passado tão recente!
Tantas lágrimas!Tanta devoção!Tanta esperança no milagre que não aconteceu.
Que descansem em paz todos os MENINOS DE SUA MÃE.

romcadur disse...

Sempre que me predisponho a falar da guerra do ultramar, começa em mim um não sei que de inquietação que me obriga a pensar e pansar muito bem em tudo quando observei.

A memória, essa está bem e estão cá todos os momentos vividos, mas são nos momentos não vividos que me obrigo a pensar.

Como terá acontecido?

Se em alguns casos temos conhecimentos dos factos, outros porém estão completamente na escuridão.

Numa população de milhares de pessoas, como era o caso nos teatros de guerra, no Ultramar,mesmo que as pessoas não entrem em confronto bélico, há sempre casos inopinados de tragédia é um risco normal de acontecimentos.

Aconteceu a pelo menos dois do barranquenhos que ficaram nesta guerra e a alguns milhares por todo o país; Acidentes.

Quando em 1969 me encontrava em Angola,onde permaneci durante seis anos, recebi a triste notícia da morte de um amigo a quém me ligavam laços de amizade profundos, pensei que o pior que pode acontecer a um militar é não poder morrer com honra.

Se a guerra não se ganhou militarmente foi porque os politicos portugueses a quizeram perder politicamente esquecendo os militares e civis que ali já tinham ficado e os que vieram a ficar após o 25 de Abril.

Durante o tempo que ali andei, até à Revolução, percorri de Noqui ao Cunene passando por Cabinda e foi após o 25 de Abril que passei horas debaixo de fogo de artilharia algumas vezes com a família.

Fico-me por aqui, os que na realidade perderam, foram aqueles cujas vidas terminaram, sem que lhe tenhamos dado o justo valor.

IN MEMORIA A UM AMIGO

Para quem sofre na vida
Tanto como tu sofreste
Talvez que haja no além
O lugar que mereceste

Foste soldado sem luta
O mar foi a tua guarida
Grande casa a Neptuna
Para quem sofre na vida

Jacinto Saramago disse...

Caros RD e MG:
Quantos dramas pessoais heverá por detras de militares desta guerra, que o Estado Português, que os "mandou ao ultramar", nunca reconheceu, nem quer reconhecer.

Entre nós, que é uma terra pequena, há alguns casos que ignoramos ou não compreedemos. São, ainda, traumas e violências, de uma guerra, que no seu interiior ainda travam.

Cpts.
Jacinto Saramago

Antónia disse...

Olá Jacinto,
Esta mensagem trouxe-me alguma tristeza e algumas lágrimas.
A morte do meu primo Manuel Silvestre foi a primeira perda que senti com uma revolta e uma injustiça infinita.
A seguir transcrevo algumas passagens da carta enviada por José Manuel Filipe, 1º. Cabo nº. 5714065, seu companheiro de guerra.
Cantina Dias, 12-2-1966
“(…) com muita tristeza vou contar tudo, começou assim, saímos para uma patrulha de dois dias e nós íamos nos carros, depois num caminho deserto os terroristas atacaram-nos, o pobrezinho do meu amigo ia no carro da frente, o carro explodiu e eles atacaram a gente ao mesmo tempo, saltámos para o chão, quando o vosso querido primo caiu em cima das nossas pernas, pensei, pronto lá foi o meu maior amigo. (…) Morreu o vosso primo e um furriel, o furriel levou um tiro na barriga e ainda chegou com vida ao hospital de Vila Cabral, mas o Silvestre morreu logo, foi um tiro em tão mau sítio, a bala furou de um lado a outro, entrou debaixo do braço e foi sair ao outro lado. (…). Depois no outro dia foram enterrados no cemitério de Vila Cabral, foi um funeral muito grande, muitos carros cheios de soldados, levou a Bandeira Portuguesa em cima do caixão, os cemitérios aqui são como os da Metrópole. (…)
Grande dor que me deu quando ele estava deitado no chão morto, e eu a chamar por ele, Silvestre, Silvestre, mas ele já não me ouvia, já estava morto, estava todo cheio de sangue, muito chorei eu nesse dia, nós andávamos sempre os dois, agora ando sempre aborrecido com a minha vida, isto cada vez está pior, só peço a Deus Nosso Senhor (…)”
A todos os que sentiram e viveram a tragédia da Guerra Colonial um grande Abraço.
A todos os outros, obrigada por manterem viva a nossa história.
Antónia Guerreiro

Tói Guerreiro disse...

Caro Jacinto.
Como habitualmente,acompanho o teu extraordinário blogue diáriamente,sempre oportuno e pertinente nas informações publicadas. Neste dia,tornei-me solidário ao recordares e ao prestares simbólicamente homenagem aos soldados barranquenhos,sucumbidos e aos sobreviventes da guerra colonial,entre os mortos,encontra-se o filho do "tio Lolita",António Marques.
Em 1968 vivía em Barrancos,com minha mãe,meu pai estava ausente, na Guiné em comissão de serviço pela P.S.P.
Data que não preciso,o António encontrava-se de férias em Barrancos,pela sua mobilização para Moçambique.Em Montes Claros,na época era um ponto de encontro da rapaziada,mais precisamente,à sombra no "portado" da Tia Rosa,lembro-me como se fosse hoje!o Manuel "Lolita"chamou-me (eu era o mais novo)e diz-me:
-Tói,vai ao tio Navarro e compra-me um maço de tabaco Monserrate f.f!
E comprei-lhe os cigarros.
Não podia deixar de partilhar este episódio,com o Estado de Barrancos,que permanece na minha memória,pela tragédia ocorrida,após algum tempo.
Como dizes Jacinto e bem!
Não devemos ignorar e compreendermos,as mazelas que psicologicamente deixou a muitos combatentes,repercutindo negativamente,social,profissional e familiarmente,numa guerra inglória e caduca,que os fascistas criaram com a capa dum suposto "imperio português".

Tói Guerreiro

Anónimo disse...

a História tem destas coisas tristes!!! E desnecessárias!!! Porquê lutar por um bocado de chão que não era nosso??? Tantas famílias destroçadas cá e lá....
Que Deus os guarde!

Anónimo disse...

Olá Jacinto
A propósito desta noticia que publicaste, li há pouco tempo, "O Anjo Branco" de José Rodrigues dos Santos, que através da história da vida de seu pai, médico fundador do serviço médico aéreo em Moçambique, faz um retrato da Guerra do Ultramar.
Para mim, que nasci em 1971,este livro foi uma verdadeira lição de história.
Respeito a dor e o sofrimento das famílias que perderam um ente querido numa guerra sem razão e infelizmente tenho vivido de muito perto a história do soldado António Marques, por ser vizinha da irmã, embora eu não o tenha conhecido.
Que Deus guarde as almas de todos estes portugueses que pereceram.

Pura