O eB tem o gosto de partilhar com os seus leitores a crónica com o título em epigrafe, da autoria do nosso conterrâneo e amigo, José Peres Valério, publicada recentemente no seu perfil facebok, que me parece de relevante interesse para o conhecimento da história recente de Barrancos.
(...)
Funerais e seus rituais em Barrancos – entre décadas de 1940/70
Quando escrevi o
livro Retalhos da Vida do Povo de Barrancos - Séc. XX, tive o cuidado de narrar o
mais possível temas sobre Barrancos. No entanto há coisas que ficam pelo
caminho. E ehta que bô escrebê me se ehcapô.
Muita coisa haverá para enumerar. Todavia em contactos uns com os outros
vão surgindo alguns episódios merecedores de serem escrito e publicado.
Cada povo tem a
sua cultura. Barrancos não foge à regra. Tem a sua.
Certo dia,
conversa puxa conversa, à porta do cemitério, acompanhando um amigo à sua
última morada, eis que surge uma curiosa pergunta: como se processava
antigamente os enterros e digo enterro porque, no tempo, era a palavra adequada
e não funeral? Retive esta pergunta. Já em casa, puxei pela memória e encontrei
a resposta que abaixo passo a narrar.
Descrita a
introdução do texto passo a desenvolver o conteúdo que me fez embarcar nesta
prosa.
Porque julgo de
interesse para a história da nossa comunidade nomeadamente para a juventude
interessada, actual e vindoura, resolvi escrever, ainda que seja pouco cómodo
sobre este assunto, mas a verdade é que ela faz parte da vida do dia-a-dia, com
que todos temos de viver, até chegar o último suspiro: funerais e seus rituais
em Barrancos.
Desde tempos
remotos, em outras culturas, não a nossa, as comunidades exerciam seus hábitos
e costumes conforme a criação que no seu meio existia. Os funerais daquele
tempo eram de grande diversidade. Em alguns casos, nas cerimónias dos mais
abastados, participavam as carpideiras, mulheres contratadas para chorar,
lamentar e glorificar o defunto, em troca de uma verba. Consta-se que esta
profissão remonta a mais de 2000 anos.
Em Barrancos os
velórios eram realizados em casa do falecido. Não existia casa mortuária. Hoje
já existe. A presença era, por norma, os familiares, amigos e vizinhos, que
durante toda a noite até à hora do funeral se mantinham em profundo silêncio,
apenas falavam com voz sumida. Era um respeito mútuo para com o falecido.
Chegada a hora do funeral praticava-se, como hoje, o ritual de acordo com a
religião da família que por norma toda a comunidade é cristã.
No entanto havia
casos, ainda que esporádico, da existência de indigente. Este, não tendo
ninguém para o acompanhar, tinha como velório a ermida situada junto ao
cemitério até à hora do sepultamento. O falecido era embrulhado num lençol até
a última morada dentro de um caixão existente na dita ermida e depositado em
campa térrea, cuja urna regressava à
ermida até ser novamente necessária. Perante tal desprezo pela vida humana
pergunta-se: Porque este desdém? Porque era pobre e vivia no mundo só, sem
família? Ou seria por viver esta situação não teria direito a uma sepultura
condigna? As Instância do tempo não teriam uma voz para cuidar desta situação?
Enfim… O tempo passou. Outros tempos...
Entretanto, o
transporte para o cemitério era feito a braços por voluntários que com as
distâncias existente e ruas íngremes entre as moradias dos falecidos, que
viviam mais distante, tornava-se bastante cansativo para aqueles que o
transportava. Feita várias paragens no percurso eram auxiliados por uma pessoa
paga para o efeito pela família do perecido que, com dois bancos, depositavam a
urna até retomarem novo fôlego.
Porém, talvez
por volta da década de 1980, a Câmara de Barrancos adquiriu um carro funerário,
jipe Toyota, usado para o efeito por um curto espaço de tempo, cujo veículo,
posteriormente, foi transformado em viatura de transporte de crianças para a
escola, crianças que viviam no campo. Continuando o transporte funerários em
mão.
Entretanto em
1992 o António Maria Marques Carvalho, natural da terra, vendo as dificuldades
em transportar as urnas em mão resolveu criar uma Agência Funerária em
Barrancos acabando com a problemática dos transportes.
Com a chegada ao
cemitério, junto a campa, o prior reza as suas preces até a descida da urna.
Segue-se os
recebimentos dos sentimentos pelos familiares.
Um dado nada
vulgar, desconhecedor de muita gente na nossa comunidade, é o facto do
recebimento dos pêsames no cemitério: era feito só por homens e de homens. Se
os mesmos que apresentaram as condolências quisessem, também, apresentar à
restante família feminina tinham de se deslocar a casa do falecido para cumprir
o seu desejo. Mulheres não acompanhavam o féretro.
Todos os
acompanhantes iam vestidos a rigor com roupas escuras, nomeadamente o preto, e
com casaco ou outra indumentária alusiva ao acto.
Familiares
nomeadamente mulheres guardavam o luto dos familiares (pai, mãe, filhos,
marido) por tempo indefinido. Casos havia que nunca o tiravam até à sua morte.
Usavam-no com lenço preto na cabeça o dia-a-dia. Quando saiam de casa, com
xaile, ficando a descoberto apenas o rosto. Os homens usavam-no alguns meses ou
anos.
Espero ter
colaborado para o engrandecimento desta terra.
Barrancos, 30 de Outubro de 2025 - Ass) José Peres Valério
(...)

Sem comentários:
Enviar um comentário