terça-feira, 25 de novembro de 2025

Funerais e seus rituais em Barrancos – entre décadas de 1940/70

O eB tem o gosto de partilhar com os seus leitores a crónica com o título em epigrafe, da autoria do nosso conterrâneo e amigo, José Peres Valério, publicada recentemente no seu perfil facebok, que me parece de relevante interesse para o conhecimento da história recente de Barrancos.

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Funerais e seus rituais em Barrancos – entre décadas de 1940/70

Quando escrevi o livro Retalhos da Vida do Povo de Barrancos - Séc. XX, tive o cuidado de narrar o mais possível temas sobre Barrancos. No entanto há coisas que ficam pelo caminho. E ehta que bô escrebê me se ehcapô.  Muita coisa haverá para enumerar. Todavia em contactos uns com os outros vão surgindo alguns episódios merecedores de serem escrito e publicado.

Cada povo tem a sua cultura. Barrancos não foge à regra. Tem a sua.

Certo dia, conversa puxa conversa, à porta do cemitério, acompanhando um amigo à sua última morada, eis que surge uma curiosa pergunta: como se processava antigamente os enterros e digo enterro porque, no tempo, era a palavra adequada e não funeral? Retive esta pergunta. Já em casa, puxei pela memória e encontrei a resposta que abaixo passo a narrar.

Descrita a introdução do texto passo a desenvolver o conteúdo que me fez embarcar nesta prosa.

Porque julgo de interesse para a história da nossa comunidade nomeadamente para a juventude interessada, actual e vindoura, resolvi escrever, ainda que seja pouco cómodo sobre este assunto, mas a verdade é que ela faz parte da vida do dia-a-dia, com que todos temos de viver, até chegar o último suspiro: funerais e seus rituais em Barrancos.

Desde tempos remotos, em outras culturas, não a nossa, as comunidades exerciam seus hábitos e costumes conforme a criação que no seu meio existia. Os funerais daquele tempo eram de grande diversidade. Em alguns casos, nas cerimónias dos mais abastados, participavam as carpideiras, mulheres contratadas para chorar, lamentar e glorificar o defunto, em troca de uma verba. Consta-se que esta profissão remonta a mais de 2000 anos.

Em Barrancos os velórios eram realizados em casa do falecido. Não existia casa mortuária. Hoje já existe. A presença era, por norma, os familiares, amigos e vizinhos, que durante toda a noite até à hora do funeral se mantinham em profundo silêncio, apenas falavam com voz sumida. Era um respeito mútuo para com o falecido. Chegada a hora do funeral praticava-se, como hoje, o ritual de acordo com a religião da família que por norma toda a comunidade é cristã.

No entanto havia casos, ainda que esporádico, da existência de indigente. Este, não tendo ninguém para o acompanhar, tinha como velório a ermida situada junto ao cemitério até à hora do sepultamento. O falecido era embrulhado num lençol até a última morada dentro de um caixão existente na dita ermida e depositado em campa  térrea, cuja urna regressava à ermida até ser novamente necessária. Perante tal desprezo pela vida humana pergunta-se: Porque este desdém? Porque era pobre e vivia no mundo só, sem família? Ou seria por viver esta situação não teria direito a uma sepultura condigna? As Instância do tempo não teriam uma voz para cuidar desta situação? Enfim… O tempo passou. Outros tempos...

Entretanto, o transporte para o cemitério era feito a braços por voluntários que com as distâncias existente e ruas íngremes entre as moradias dos falecidos, que viviam mais distante, tornava-se bastante cansativo para aqueles que o transportava. Feita várias paragens no percurso eram auxiliados por uma pessoa paga para o efeito pela família do perecido que, com dois bancos, depositavam a urna até retomarem novo fôlego.

Porém, talvez por volta da década de 1980, a Câmara de Barrancos adquiriu um carro funerário, jipe Toyota, usado para o efeito por um curto espaço de tempo, cujo veículo, posteriormente, foi transformado em viatura de transporte de crianças para a escola, crianças que viviam no campo. Continuando o transporte funerários em mão.

Entretanto em 1992 o António Maria Marques Carvalho, natural da terra, vendo as dificuldades em transportar as urnas em mão resolveu criar uma Agência Funerária em Barrancos acabando com a problemática dos transportes.

Com a chegada ao cemitério, junto a campa, o prior reza as suas preces até a descida da urna.

Segue-se os recebimentos dos sentimentos pelos familiares.

Um dado nada vulgar, desconhecedor de muita gente na nossa comunidade, é o facto do recebimento dos pêsames no cemitério: era feito só por homens e de homens. Se os mesmos que apresentaram as condolências quisessem, também, apresentar à restante família feminina tinham de se deslocar a casa do falecido para cumprir o seu desejo. Mulheres não acompanhavam o féretro.

Todos os acompanhantes iam vestidos a rigor com roupas escuras, nomeadamente o preto, e com casaco ou outra indumentária alusiva ao acto.

Familiares nomeadamente mulheres guardavam o luto dos familiares (pai, mãe, filhos, marido) por tempo indefinido. Casos havia que nunca o tiravam até à sua morte. Usavam-no com lenço preto na cabeça o dia-a-dia. Quando saiam de casa, com xaile, ficando a descoberto apenas o rosto. Os homens usavam-no alguns meses ou anos.

Espero ter colaborado para o engrandecimento desta terra.

Barrancos, 30 de Outubro de 2025 - Ass) José Peres Valério

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Cemitério de Barrancos
(Fotos: Arquivo eB, 05-02-2022)

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