Bom, para quem não sabe, sou
alentejano! E todos sabem que temos fama de preguiçosos! Mas a culpa não é
nossa, seguimos uma recomendação divina. É que quando Nosso Senhor Jesus Cristo
veio à Terra, virou-se para os alentejanos e disse: "Compadres, a minha
missão aqui na Terra está quase concluída, mas tenho de ir sentar-me à direita
do meu Pai, e como vocês são bem comportados (eis, a minha melhor criação neste
País da treta), até eu voltar, no dia do juízo final, não vão fazer
nada, ok !?”
E assim fizemos! Criticam-nos muito
por causa dessa nossa característica, mas vamos lá ver, pelo menos somos o
melhor povo numa coisa! Na arte de não fazer nada, o que já não é mau!
Uma coisa que adoro na nossa cultura alentejana,
é a vida do campo. Em gaiato somos educados com as coisas mais simples que há
na vida! Brincávamos com tudo o que a Natureza nos dava! Um pau virava uma
pistola, e passávamos as tardes a brincar aos “polícias e ladrões”; o jogo da
apanhada, transformava-se no jogo do "Touro", onde, com pontapés à
Ronaldo, qualquer coisa que ficasse 1 cm a cima do chão, e desse para ficar
pendurados, servia de "puê" - "puê" é a palavra que usávamos para
designar um lugar seguro onde não nos podiam tocar, para não “ser o touro”...
Não havia cá Iphones, nem nada dessas
modernices. Se calhar, pela parte do jogar ao "Touro", já perceberam
que sou de Barrancos; e Barrancos fica mesmo na fronteira com Espanha. Fica
mais perto ir a Espanha, do que a qualquer outra terra nas proximidades. E
quando digo proximidades, quero dizer andar cerca de 25/30 kms, porque no
Alentejo é assim! Mas como fica mesmo muito perto de Barrancos, e a nossa
cultura é, sempre foi e sempre será, influenciada pela cultura espanhola, a
expressão "nuestros hermanos"
faz muito sentido, até porque na maioria dos casos são mesmo...
Mas o que eu queria mesmo dizer, é
que a convivência com os espanhóis é enorme. Eles frequentam os nossos cafés,
as nossas festas, e nós fazemos o mesmo; é como se ali a fronteira não
existisse. O que acaba por ser realidade. Para o barranquenho, ir a Encinasola,
que é a terra espanhola mais próxima, não é ir ao estrangeiro! Para isso vai a
Lisboa, né? Afinal de contas “eles” não nos percebem, por isso...
Mas voltando à convivência com os
espanhóis, … Um dia entrei no café " O central" - terra portuguesa
que se preze, tem que ter um café "Central" - e estava um espanhol à
conversa com o Ti Garcia, com o tema já habitual: o campo. Eu cheguei ao balcão
e pedi um cafézinho e um copo com gelo, porque com os 45 graus que fazem às
duas da tarde de agosto, o café sabe muito melhor frio! Como não tinha nada pra
fazer “me entretibe” a ouvir a
conversa, e quem conhece os alentejanos, sabe que somos muito sacanas quando
queremos, ou como dizemos em Barrancos, somos "pilhuh"!! Na conversa, entre
“monte pra qui”, e “vacas pra li”, diz o Ti Garcia: -"Eh pah, comprê agora
uma herdadi nóba, txi, nã tás bem bendo o tamanho daquilo rapah, nem o Paulo
Guerra corria aquilo tudo num dia!" O espanhol, pilhuh, também, responde: -"Pues
bueno, yo me subo nel Jeep por la mañana, ahi a las ocho e media, e quando son
las las 12 del médio dia, no he passado ni por un quarto de la granja! O Ti
Garcia, como bom barranquenho, vira-se e diz: -"Hè rapah, não me fales
disso! Eu também já tibi um Jipi dessis, e nã prestam pra nada!"
Mas eu adorei ser criado em
Barrancos. Sou tão barranquenho, que sou capaz de me levantar às 4 da manhã,
adivinhem lá pra que? Não. Não é pra ouvir cantar o passarinho! É só pra estar mais tempo
sem fazer nada! Belos tempos! Tardes a
jogar à bola, a andar de bicicleta - e por falar em bicicleta, vocês sabem como
é que um alentejano anda de bicicleta? Mãos na guiadêra, pés na pedalêra, cu na
sentadêra e cornos n’azinhera.
Belos tempos. Mas é o que eu digo, são
coisas que putos da cidade jamais viverão! Os putos da cidade têm carro logo
aos 18 anos. Os alentejanos têm que trabalhar para ele!
Há uma história muito engraçada que
se passou lá na Amareleja, que é uma terra ali ao lado (26 kms): um rapaz já
dos seus 18/19 anos foi ter com o pai e pediu-lhe um carro, e o pai disse: -"Enquanto
eu não pagar o trator, não te posso dar o carro"! Veio o filho do meio, já
com os seus 13/14, pediu uma bicicleta, e o pai respondeu: -"Enquanto eu
não pagar o trator não te posso dar a bicicleta". O filho mais novo, o
Francisquinho, com os seus 8/9 anos, que
também queria alguma coisa, pediu um triciclo, e a resposta do pai foi a mesma:
-"Enquanto não pagar o trator, não te posso dar o triciclo". O Francisquinho,
mesmo desanimado, foi brincar para o quintal, onde viu o galo montado numa
galinha. Chateado, vai lá e dá um pontapé no galo, e diz: -"Enquanto o pai
não pagar o trator, nesta casa andamos todos a pé!"
Outra coisa que os putos da cidade
fazem com frequência, e os alentejanos não podem, é ir ao cinema. Mas,…
conta-se, por lá, que uma vez um grupo de 17 amigos de Stº Aleixo, outra terra
perto de Barrancos, que sempre quiseram ir ao cinema, meteram-se nuns 4 carros
e foram ao cinema a Lisboa. Quando
chegaram, eram tantas as ofertas que escolheram o filme de terror. Compraram os
bilhetes e ficaram na porta, onde o senhor que corta os bilhetes avisa:
-"Então, vocês não entram!?" De imediato, o Chico Manel, que a tem
sempre na ponta da língua, diz logo: -"Porra, ainda falam de nós, mas vocês
lisboetas são mesmo burros, então vocemecê
não vê que somos 17, e o filme é para maiores de 18!?"
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(*) in Dani Barrocal, 06/02/2018
Nota do autor do eB
O Dani é um jovem barranquenho, agora a estudar na capital. Sempre alegre e brincalhão, desde pequenino, aproveita a sua boa-disposição e simpatia para brincar e fazer rir os amigos. Tem um sonho, fazer um dia stand up comedy. Pela prosa humorística, "escrita em formato de guião", em português e em barranquenho, com algum sotaque alentejano e uma pitada de portunhol, não falta muito para o concretizar.
Quero estar presente no seu primeiro espectáculo!
2 comentários:
Gosta da forma e do jeito do Dani, com quem sempre partilhei simpatias.
É de leitura fácil, eu gosto por ser feita com algum humor/sério e daqui os meus parabéns, sei de uma pessoa que ficaria alegre por ler isto.
Muito obrigado! O meu objectivo é aprender e melhorar em tudo o o que puder. Quanto a essa pessoa, sei que, para além de ler, me ajudou a escrever! Forte abraço
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